Pesquisa da FFLCH revela que a iniciativa governamental consegue suprir uma demanda e auxiliar parte das pessoas, mas moradores também passam por dificuldades com as realidades diferentes em novos imóveis
“Uma das vizinhas da comunidade veio para o mesmo andar que eu, mas mesmo assim, às vezes fico uma semana sem vê-la. E as outras, eram seis famílias que moravam no mesmo corredor na comunidade, aqui se dividiu. Uma subiu, outras desceram. Eu só as encontro dentro do elevador. Era bastante diferente, porque a gente saía na porta e já via um vizinho, principalmente em dias de calor, que era insuportável dentro de casa. Agora, é difícil. A gente se vê mesmo quando cruzamos lá embaixo no prédio, ou então dentro do elevador.”*
Antes moradora da Comunidade Vila Santa Casa, a autora da fala hoje vive no Conjunto Habitacional Santos T, em Santos, e relata, junto com outros moradores, as dificuldades advindas do processo de mudança, sem outros aportes do governo. Uma pesquisa de mestrado da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP analisou a luta de aproximadamente 50 anos da comunidade para conseguir direitos como o saneamento básico até o processo de reapropriação, que começou em 1996. A pesquisadora Tatiana Cesar Silva Lopes avaliou as consequências negativas da mudança de uma moradia irregular para uma social quando ela é pensada na lógica capitalista que rege a sociedade.
Ao longo da realização do estudo, Tatiana entrevistou nove moradores e representantes institucionais. Uma das intenções da pesquisadora era desconstruir a visão que algumas pessoas carregam de que a mudança para o conjunto habitacional sempre representa o aumento do prestígio e da qualidade de vida, e todos os moradores afetados são sortudos.
As consequências negativas da mudança compulsória
Os habitantes do novo conjunto habitacional possuem mais contas para pagar, como taxa de condomínio, água, luz e outras dívidas que antes muitas vezes não eram pagas, porque a moradia era irregular.
“Agora as pessoas ficam escolhendo que conta elas vão pagar, porque aumentou o custo de vida, mas o salário continua o mesmo. Já teve um apartamento que foi leiloado, porque a pessoa não conseguiu arcar com os custos da nova moradia”, afirma Tatiana. Nessa situação, algumas pessoas precisam retornar para uma ocupação irregular novamente, mostrando a ineficácia da política habitacional.
Além dos custos de vida mais elevados, a redução do convívio social com os vizinhos também é um problema. O Conjunto Habitacional Santos T apresenta um diferencial em Santos por ser a primeira moradia social verticalizada da região, o que interferiu também no relacionamento entre as pessoas.
Apesar de existirem áreas comuns no conjunto onde o convívio pode acontecer, nem sempre os moradores conseguem usufruir do espaço. “Eles têm salão de festa, mas precisam pagar; tem um playground, mas às vezes está quebrado e [o condomínio] não tem dinheiro para arrumar”, exemplifica.
Com base nessas consequências, Tatiana mostra que apesar da política habitacional conseguir suprir uma demanda e auxiliar parte das pessoas, ela também tem seus aspectos negativos. “Esse modelo de política habitacional que dá primazia à habitação de mercado está sendo prejudicial para as pessoas de menor renda”.
Uma das alternativas propostas por Tatiana é o aluguel social. Mas ela também ressalta a importância de existir uma união entre o meio acadêmico e o Poder Público, para que os representantes do governo usem pesquisas como essa para repensar políticas públicas. Muitas vezes apenas entregar uma moradia não é suficiente para pessoas de baixa renda.
O mestrado Quando o habitar é reduzido ao habitat: o caso da Comunidade Vila Santa Casa em Santos/SP, de Tatiana Cesar Silva Lopes e orientada pela professora Gloria da Anunciação Alves, foi defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia Humana da FFLCH USP, em abril de 2023.
*Trecho da entrevista feita por Tatiana presente na dissertação de mestrado.