Mecanismos de regulação da Twitch não conseguem conter a disseminação de fake news e discriminações

Pesquisadora da FFLCH analisou os discursos propagados na plataforma e como é feita a moderação de falas problemáticas

Por
Gabriela Ferrari Toquetti e Paulo Andrade
Data de Publicação

Imagem: Unsplash

Atualmente, a Twitch é uma das plataformas mais importantes de transmissão de vídeos e lives. No entanto, a regulação e a moderação de fake news e discriminações de raça, gênero e sexualidade na plataforma têm sido insuficientes. O dado foi constatado por Thayla Bicalho Bertolozzi em sua dissertação de mestrado pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP - um dos primeiros estudos realizados sobre a Twitch no Brasil.

Na pesquisa, Thayla estudou a eficácia da plataforma em evitar a discriminação e a disseminação de informações falsas. Para isso, a pesquisadora focou sua análise nos Estados Unidos - que é líder em número de espectadores na Twitch - e no Brasil em anos eleitorais (2016, 2018, 2020 e 2022).

O estudo revelou que, no Brasil, os ataques discriminatórios envolvem principalmente raça e cor, associadas a sexo e gênero. Já nos EUA, os maiores problemas são a desinformação político-eleitoral e a discriminação de raça e cor. Outro tema recorrente foi a Covid-19, sobretudo relacionada à questão eleitoral, além das desinformações a respeito da vacina.

A discriminação e a desinformação na Twitch são propagadas tanto pelos produtores de conteúdos, em vídeos e lives, quanto nos comentários postados por usuários, nos chats. A regulação desses conteúdos pode ser feita de três formas: pela equipe de moderação da própria plataforma, pelo próprio streamer no seu canal e por moderadores (usuários selecionados no chat pelo streamer).

A pesquisa mostrou que vários fatores dificultam a regulação na Twitch. O processo de moderação favorece a criação de uma “bolha”: se o streamer e seus moderadores concordarem com uma fala racista, por exemplo, ela será mantida no chat. Além disso, a equipe de moderação da Twitch costuma focar nos vídeos, não tendo grande influência sobre a regulação interna dos canais - por exemplo, sobre os chats -, o que também prejudica a regulação.

Grandes plataformas como a Twitch têm o poder de amplificar discursos, de acordo com Thayla. Isso pôde ser observado nos ataques em Brasília, no dia 8 de janeiro deste ano, e no ataque ao Capitólio, nos EUA. Ambos os eventos foram transmitidos por streamers na Twitch, o que pode ter expandido o apoio a esses acontecimentos ao dar voz aos participantes dos ataques.

Nos resultados de sua pesquisa, Thayla verificou, ainda, que a rede social teve seu pior desempenho nos seguintes tópicos: transparência, devido processo, apelação e competência cultural.

A transparência é proporcionada por meio de relatórios com dados da plataforma. O devido processo é todo o percurso que deve ser percorrido pela equipe até penalizar um usuário na Twitch - as penalizações não podem ser arbitrárias, mas os resultados apontam que a plataforma vem fornecendo informações insuficientes quanto ao banimento de usuários. A apelação é o poder que os internautas têm de recorrer das decisões da Twitch. Por fim, a competência cultural está relacionada ao funcionamento da plataforma - Thayla explica que “a Twitch não tem nenhuma informação sobre como a equipe de moderação funciona na prática para além dos Estados Unidos”.

Já o melhor desempenho da plataforma foi observado na questão de direitos autorais e propriedade intelectual. Esse tem sido um motivo recorrente de banimentos e suspensões temporárias.

Com os resultados, a pesquisadora conclui que, embora tenha havido avanço regulatório na Twitch quanto às discriminações e desinformações, esse avanço ainda é insuficiente. Esse é um tema complexo, pois, de acordo com Thayla, “estamos sempre em uma linha tênue entre respeitar os direitos humanos e também respeitar, enquanto direito humano, a liberdade de expressão”.

Nesse sentido, a pesquisadora entende que a regulação deve ser feita “por vários setores e para vários setores”. Se as plataformas são as únicas responsáveis por sua própria regulação, então possuem um poder excessivo. Deve haver um trabalho conjunto e um diálogo entre o poder estatal e o poder privado, no sentido de combater discriminações e desinformações nas redes sociais.