Queda de Constantinopla

Constantinopla, capital do Império Bizantino e importante centro econômico, cultural e religioso da Europa, teve o seu fim decretado em 1453 d.C., com a invasão dos exércitos otomanos

Por
Thais Morimoto
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Constantinopla, capital do Império Bizantino e importante centro econômico, cultural e religioso da Europa, teve o seu fim decretado em 1453 d.C., com a invasão dos exércitos otomanos
“A conquista de Constantinopla pelos exércitos otomanos em 1453 d.C. é tradicionalmente considerada o fim do Império Bizantino, dado que a cidade era o centro político-administrativo do que restava do Império Bizantino àquela altura”, diz o professor Rafael Scopacasa – Arte: Thais Morimoto / Serviço de Comunicação Social da FFLCH USP

Localizada onde hoje fica a cidade de Istambul, na Turquia, Constantinopla ficava estrategicamente no ponto em que a Europa encontra a Ásia, onde se estabeleceu como um centro econômico, cultural e religioso. Capital do Império Bizantino, a cidade foi a maior e mais rica cidade da Europa durante séculos. 

O Império Bizantino ou Império Romano do Oriente emergiu mesmo com a queda do Império Romano do Ocidente. De acordo com Rafael Scopacasa, professor de História Antiga da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, “o ‘Império Romano do Oriente’ ou ‘Império Bizantino’ se manteve por vários séculos após o desmantelamento da estrutura político-administrativa romana na Europa ocidental e no norte da África, um processo complexo que é interpretado e explicado de maneiras muito diferentes por historiadores hoje em dia”. 

Confira a entrevista completa com o professor: 

Serviço de Comunicação Social: Em termos políticos, como Constantinopla era caracterizada?

Rafael Scopacasa: Foi no reinado do imperador Constantino, mais especificamente na década de 320 d.C., que o centro político do Império Romano foi transferido da cidade de Roma até a antiga cidade grega de Bizâncio na atual Turquia, renomeada “Constantinopla” naquela ocasião. Após a desintegração político-administrativa da metade ocidental do Império Romano a partir do século 5 d.C., Constantinopla passou a servir efetivamente como a capital da porção oriental do Império Romano que conseguiu resistir à desintegração, e que historiadores modernos costumam chamar de “Império Romano do Oriente” e/ou “Império Bizantino” (essa última expressão faz referência ao antigo nome da cidade de Constantinopla). Sobre a organização política do Império Bizantino e o lugar de Constantinopla no novo sistema imperial que se configurou a partir do século 6 d.C.

Serviço de Comunicação Social: Por que Constantinopla se manteve por tanto tempo após a Queda de Roma? Quais as principais diferenças entre o Império Romano Ocidental e Oriental? 

Rafael Scopacasa: O “Império Romano do Oriente” ou “Império Bizantino” se manteve por vários séculos após o desmantelamento da estrutura político-administrativa romana na Europa ocidental e no norte da África, um processo complexo que é interpretado e explicado de maneiras muito diferentes por historiadores hoje em dia. Um consenso que está se formando entre os especialistas é a necessidade de evitar explicações excessivamente esquemáticas ou “monocausais” (isto é, que buscam identificar um único fator determinante no processo). É mais provável que os desenvolvimentos históricos contrastantes entre as metades ocidental e oriental do Império Romano, a partir do século 5 d.C., foram o produto de conjunções multifacetadas de fatores econômicos, políticos, culturais e sociais. Ao mesmo tempo, pesquisas mais recentes têm se preocupado em entender o desenvolvimento de longo prazo do Império Bizantino e as transformações pelas quais ele também passou durante a segunda metade do primeiro milênio da era cristã, isto é cerca de 500-1000 d.C. Durante esse longo intervalo, o território controlado pelo estado bizantino variou bastante em termos de extensão e fronteiras: as primeiras grandes perdas territoriais no Oriente Médio ocorreram com o começo do expansionismo árabe muçulmano nos séculos 6 e 7 d.C., e posteriormente com a chegada dos turcos otomanos. Por outro lado, houve momentos de expansão territorial e até ultramarina, por exemplo envolvendo conquistas no sul da Itália. Mudanças significativas também ocorreram em termos da organização interna do império: alguns marcos que os especialistas consideram importantes incluem a criação dos chamados ‘temas’, um sistema de províncias que começou a ser arquitetado nos séculos 7 e 8 d.C. e que aparentemente se consolidou no século 10 d.C.: nessa organização, cada província do império era chefiada por um “general” ou strategós em grego (a língua oficial do mundo bizantino, aliás), o qual acumulava poderes militares e de administração civil. Essencialmente, o que mantinha em funcionamento a estrutura política e administrativa unificada do Império Bizantino era o sistema de coleta de impostos, tal como havia sido o caso no Império Romano anteriormente.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram os motivos que levaram à queda de Constantinopla e o que ela representou para o Império Bizantino? E em termos mundiais? 

Rafael Scopacasa: A conquista de Constantinopla pelos exércitos otomanos em 1453 d.C. é tradicionalmente considerada o fim do Império Bizantino, dado que a cidade era o centro político-administrativo do que restava do Império Bizantino àquela altura. O crescimento do poderio militar do estado otomano no Oriente Médio foi um fator no declínio de Constantinopla e do Império Bizantino no contexto do Mediterrâneo oriental, embora outros desenvolvimentos históricos de longo prazo também mereçam atenção nesse sentido, entre os quais: o saque de Constantinopla realizado pelos participantes da chamada “Quarta Cruzada” em 1204; e o enfraquecimento do sistema político-administrativo dos “temas” mencionado acima. Em termos mundiais, costuma-se observar que a queda do estado imperial bizantino gerou consequências geopolíticas e econômicas mais amplas para o Mediterrâneo e Europa Ocidental, na medida em que a consolidação do Império Turco Otomano no Mediterrâneo oriental representou novas condições para o comércio internacional entre a Europa e o Oriente.
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Rafael Scopacasa é professor doutor de História Antiga na Universidade de São Paulo. Possui doutorado em História Antiga pela University of Exeter (2009), mestrado em História Social pela Universidade de São Paulo (2005) e graduação em História pela Universidade de São Paulo (2002). Tem experiência na área de História Antiga, com ênfase em História de Roma, atuando principalmente nos seguintes temas: Roma republicana (séculos VI-I a.C.), expansão romana, imperialismo romano, história ambiental do Mediterrâneo antigo, Roma e os povos itálicos, identidade romana e o "outro" de Roma, historiografia romana, arqueologia romana e itálica, identidade étnica, e arqueologia das práticas mortuárias. Foi bolsista da British School at Rome (2010-11) e é membro pesquisador do Department of Classics and Ancient History, University of Exeter.