A revolta se tornou um símbolo da luta camponesa
No final dos anos de 1890, com a república brasileira recém instaurada, o exército nacional e um grupo comandado pelo líder religioso Antônio Conselheiro travaram a batalha que futuramente serviria como símbolo da resistência camponesa no Brasil. Uma grande seca ocorreu entre 1870 e 1880 gerando uma onda de miséria e fome que castigou o povo nordestino por anos. Em virtude de todos esses infortúnios, muitos camponeses da região se uniram a Antônio Conselheiro no Arraial de Canudos, sertão da Bahia, com a esperança de uma vida sem pobreza baseada em preceitos religiosos.
Com a partida de trabalhadores de fazendas e grandes lotes de terra para o Arraial de Canudos, a mão de obra rural se desestabilizou, colocando a relação entre fazendeiros e camponeses explorados em xeque. Ao passo que a população de Canudos crescia, a especulação de que o líder Antônio Conselheiro queria restaurar uma monarquia se intensificava. Diversos boatos sobre o Arraial foram disseminados e um ataque policial do governo da Bahia foi realizado para dissolver a comunidade. Porém, os camponeses saíram vitoriosos. Nos meses seguintes, o exército brasileiro enviou duas expedições que também foram derrotadas.
O pânico geral estava estabelecido entre a elite brasileira. A quarta e última tropa do exército foi enviada causando a derrota dos camponeses. “A quarta expedição, com mais de quatro mil soldados e contando com armas pesadas, atacou Canudos entre junho e outubro de 1897, culminando na destruição total do Arraial, com a destruição de 5 mil casebres e a morte estimada de 20 mil pessoas. Euclides da Cunha, inicialmente, um opositor de Canudos e defensor da intervenção armada, ao cobrir a Guerra matizou suas posições iniciais, e escreveu um clássico, Os Sertões, sobre a tragédia social causada pelo abandono do Estado”, explica Marcos Francisco Napolitano de Eugênio, professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP e especialista no período republicano brasileiro, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura. Confira a entrevista completa:
Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre o que foi a Revolta de Canudos?
Marcos Francisco Napolitano de Eugênio: A Revolta de Canudos foi o resultado da tentativa das forças de segurança, primeiro do Estado da Bahia e depois da União (Exército), de dissolverem uma comunidade camponesa de natureza mística e messiânica, formada no interior da Bahia. Muitos camponeses miseráveis abandonaram as fazendas da região para se unir à Antônio Conselheiro, o líder místico que anunciava o fim do mundo e prometia uma sociedade igualitária, de bases religiosas, sem as misérias terrenas. Com o crescimento do arraial de Canudos, no começo dos anos 1890, espalhou-se a notícia de que se tratava de uma revolta contra a República recém instalada, pois Conselheiro criticava a República e era contra a separação entre Igreja e Estado promovida pelo novo regime. Além disso, a corrida migratória para Canudos abalou o fornecimento de mão de obra e as relações de poder entre fazendeiros, o clero regular e os camponeses tradicionalmente explorados e submetidos à autoridade da Igreja Católica.
Serviço de Comunicação Social: Quem foi Antônio Conselheiro? Como se tornou líder do arraial de canudos?
Marcos Francisco Napolitano de Eugênio: Antônio Conselheiro era natural do Ceará, fora professor e comerciante. Mas após uma série de reveses na vida pessoal tornou-se um beato, místico e messiânico, que pregava nos sertões havia alguns anos. Com a grande seca do fim dos anos 1870, a miséria humana cresceu ainda mais no interior do "Norte" do Império, como então se chamava a atual região Nordeste. No começo dos anos 1890, ele se fixou no Arraial de Canudos e construiu uma grande comunidade mística, formada por jagunços e famílias camponesas que viam na linguagem religiosa e messiânica uma porta de saída para manifestar seu protesto contra a exploração e a miséria que sofriam havia muito tempo.
Serviço de Comunicação Social: Quais foram os impactos que o confronto em Canudos causou à recém-proclamada república brasileira ?
Marcos Francisco Napolitano de Eugênio: A notícia de que se tratava de uma revolta contra a República, além de ser a expressão de um atraso social e cultural contra a qual, supostamente, o regime se voltava, mobilizou a elite política e intelectual contra Canudos. Um boato de que os habitantes de Canudos iriam atacar Juazeiro para tomar madeiras compradas mas não entregues foi o estopim do conflito, em fins de 1896. O destacamento policial estacionado na cidade resolveu atacar Canudos para acabar com o Arraial, mas foi facilmente derrotado. Uma segunda expedição, em janeiro de 1897, com mais de 300 soldados, também foi derrotada. A esta altura, Canudos se tornou uma praça-forte. A terceira expedição, já sob o comando do Coronel Moreira Cesar, do Exército Brasileiro, que havia reprimido com violência a Revolta Federalista, com mais de mil soldados, também foi derrotada. Este revés aumentou o pânico das autoridades no Rio de Janeiro, pois se consolidou a ideia de que se tratava de uma Revolta para reinstaurar a Monarquia. Na verdade, Canudos era uma experiência de rebeldia mais defensiva do que agressiva, mas o pânico se alastrou a partir da Capital. A quarta expedição, com mais de quatro mil soldados e contando com armas pesadas, atacou Canudos entre junho e outubro de 1897, culminando na destruição total do Arraial, com a destruição de 5 mil casebres e a morte estimada de 20 mil pessoas. Euclides da Cunha, inicialmente, um opositor de Canudos e defensor da intervenção armada, ao cobrir a Guerra matizou suas posições iniciais, e escreveu um clássico, Os Sertões, sobre a tragédia social causada pelo abandono do Estado e pela superexploração dos camponeses sem cidadania alguma. Com o passar dos anos, a memória de Canudos foi apropriada pelo movimento social camponês como exemplo de resistência contra a exploração dos fazendeiros e a violência de Estado.
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Marcos Francisco Napolitano de Eugênio é doutor (1999) e mestre (1994) em História Social pela Universidade de São Paulo, onde também graduou-se em História (1985). Atualmente é professor titular de História do Brasil Independente e orientador no Programa de História Social da Universidade de São Paulo (USP). Especialista no período do Brasil Republicano, com ênfase no regime militar, e na área de história da cultura, com foco no estudo das relações entre história e audiovisual.