No dia 7 de novembro foi realizada no auditório da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP uma conversa com o autor Jeferson Tenório que faz parte da programação de Para além de novembro: Presença e memória negra na FFLCH, como uma iniciativa do Centro de Estudos Africanos. A conversa foi mediada por Fernanda Sousa, doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH, e abordou temas diversos como cotas raciais nas universidades públicas, autores negros na literatura brasileira e saúde mental da população negra.
Jeferson Tenório além de escritor de vários livros, sendo o mais reconhecido O Avesso da pele, é professor e pesquisador. Foi o primeiro aluno negro cotista a se formar em Letras na Universidade Federal do Rio Grando Sul, sendo mestre em Literaturas luso-africanas pela mesma Universidade. No primeiro momento, a mesa foi composta por Jeferson Tenório, Fernanda Souza, Adrián Fanjul, diretor da FFLCH, e Silvana Nascimento, vice-diretora da FFLCH. A direção agradeceuram sua presença, reconhecendo a importância de abrir espaço para essas temáticas na Universidade.
No início da conversa, Fernanda Souza dissertou sobre como Jeferson se declara um leitor tardio e como isso influenciou sua carreira na literatura. O autor contou que se tornou um leitor tardio pela sua condição financeira. Durante a infância no Rio de Janeiro, teve que se deslocar muito e vivia em modo de sobrevivência. Com 24 anos, ingressou no curso de Letras e mudou sua relação com a leitura a partir do contato com Rubem Fonseca.
O autor diz que sua experiência sendo um leitor tardio foi a de se impressionar muito com a literatura e ficar fascinado com suas nuances. “Tornar-me um leitor tardio me trouxe essa vontade de recuperar o tempo sem leitura”, explica. Junto com o gosto pela leitura, começou a refletir sobre sua condição financeira e os preconceitos que sofria. A mediadora Fernanda comentou a fala de Jeferson trazendo referências sobre o impacto da literatura na vida de autores negros, além de perguntar sobre sua relação com a tendencia que críticos têm de impor uma relação estreita entre a obra e a vida de autores negros.
O professor discorreu sobre como Lima Barreto, assim como ele, sofreu com essas acusações. Ele acredita que esse tópico é uma forma de deslegitimação da escrita negra: seus livros frequentemente têm esse tipo de recepção e critica, com a atribuição do identitarismo na escrita de romancistas negros. O movimento de acusar escritores negros de discurso identitário e auto ficção faz parte da discussão sobre o que é ou não literatura, diz o autor. Fernanda acrescenta que isso também é uma forma de delimitar quem pode ou não escrever e fazer parte da literatura.
A conversa seguiu com uma discussão sobre a obra De onde eles vêm. O livro se aprofunda na história de Joaquim, um jovem órfão e negro, responsável por cuidar de sua avó doente e que decide ingressar na universidade por meio da política afirmativa de cotas racias que havia acabado de entrar em vigor. Jeferson diz que queria uma proposta mais orgânica e intimista para a experiência desse livro. Ele diz que as cotas são um plano de fundo e que na verdade há uma luta pela permanência de Joaquim na universidade. Ele comenta que buscou explorar o recebimento da universidade na entrada do aluno cotista, relacionando o contexto acadêmico com a vivência periférica do personagem.
A discussão segue abordando a importância da representatividade negra na academia, um ambiente que pode muitas vezes ser hostil e competitivo. Jeferson inclusive prestigia Ana Maria Gonçalves, autora de Um defeito de cor, que tomou posse na Academia Brasileira de Letras (ABL) no dia do evento, se tornando a primeira mulher negra a ingressar na ABL.
Fernanda entrou então no assunto de O avesso da pele, o livro recebeu o prêmio Jabuti de 2021, sendo a obra mais vendida do autor. Na obra, é retratada a história de Pedro, que, após a morte do pai, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Na conversa, Jeferson comenta sobre a narrativa do luto pelo âmbito da vida negra. Ele diz que à primeira vista não pretendia matar o personagem principal da trama, porém se deu conta que a história sem o desfecho da morte estava pouco interessante. O autor buscou criar na narrativa uma morte que fosse uma oportunidade de fazer o leitor se impactar e ver as questões sociais abordadas no romance de forma mais profunda. “Eu pensei que só a morte poderia causar essa catarse no leitor e chamar atenção desse leitor para o que está acontecendo. É a tentativa de tirar da estatística as mortes negras e conferir a elas uma vida”, reforça Tenório.
Após a fala do professor, foi dedicado um momento a perguntas do público. Entre elas, surgiram temas como o retrato da sensibilidade de homens negros nas obras do convidado; o espaço para o riso e a descontração em narrativas densas; a trajetória e a violência destinada a pessoas periféricas dentro das universidades; e a polêmica da censura sofrida com o livro O avesso da pele. A visita de Jeferson Tenório se encerrou com conversas entre o escritor e estudantes e autógrafos.