Nascimento de Nicanor Parra

Autor de obras como "Poemas e Antipoemas" e "Artefactos", Nicanor Parra desenvolveu o conceito da "antipoesia"

Por
Alice Elias
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Nascimento de Nicanor Parra
Segundo Laura Janina Hosiasson, "A partir de elementos do cotidiano e munido de elevadas doses de humor, [Parra] irá dessacralizar e desmistificar a chamada alta literatura, fundindo o culto e o popular, numa tentativa de retomar vínculos diretos com um leitor comum". (Arte: Alice Elias)

Em 5 de setembro de 1914, nasceu o poeta chileno Nicanor Parra. Inspirado por autores como William Blake, T.S. Eliot e Ezra Pound; Parra começou a escrever poesia e publicá-las desde muito jovem. Sua obra impactou os rumos da lírica hispano-americana contemporânea e irradiou o espírito vanguardista pela América Latina.

Nicanor Parra desenvolveu o conceito chamado de “antipoesia”, marcado por uma voz poética irreverente diante dos grandes temas da humanidade – como o tempo, a morte, a religião e os preconceitos. Conversamos com Laura Janina Hosiasson, professora de Literatura Hispano-americana na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sobre o legado do autor que “trabalha com o que ele definiu como um novo alfabeto: no lugar de dor e de arco-íris, ele fala de cadeiras, mesas, ataúdes e material de escritório”. Confira:

Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Nicanor Parra?

Laura Janina Hosiasson: Nicanor Parra (1914-2018) foi um poeta chileno cuja obra impactou definitivamente os rumos da lírica hispano-americana contemporânea. Foi o irmão mais velho da compositora, cantora, artista plástica e também poeta, Violeta Parra.
Os primeiros quarenta anos de sua longa vida foram marcados por uma peculiaríssima oscilação de rumos: de um lado, uma promissora carreira acadêmica na área de física e matemática e do outro, seu destino de poeta. Como cientista, continuou os estudos de pós-graduação na Brown University e depois, já professor na Universidad de Chile, publicou artigos sobre relatividade, mecânica racional e física quântica, assumindo cátedras pelo mundo afora. Durante os dois anos que ficou na Inglaterra como professor convidado da Universidade de Oxford (entre 1949 e 1951), Parra entrou em contato com a poesia de William Blake, John Donne, Keats, T.S. Eliot e Ezra Pound; experiência que marcaria profundamente seu sentimento poético. Em paralelo com a atividade científica, ele escrevia poesia e publicava desde muito jovem. Em 1954, o livro Poemas e Antipoemas fincaria as primeiras bases do seu conceito de “antipoesia”. A partir do fim dessa década, Nicanor Parra se dedicaria exclusivamente à poesia, publicando livros marcantes até 2015, pouco antes de sua morte. Ganhou o Prêmio Nacional de Literatura, em 1969, e recebeu inúmeras outras distinções, dentre as quais se destacam: o Doutor Honoris Causa da Universidade de Brown (1991); o Prêmio de Literatura Iberoamericana y del Caribe Juan Rulfo (1991); o Honorary Fellow na Universidade de Oxford (2000); o Prêmio Reina Sofia (2001) e o Prêmio Cervantes, em 2011.

Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam a escrita de Parra?

Laura Janina Hosiasson: As marcas do projeto antipoético de Nicanor Parra se definem pela irreverência com que a voz poética vai tratar de temas como o tempo, a morte, a religião (sendo seu alvo principal o catolicismo), o erotismo, as boas intenções e os preconceitos. A partir de elementos do cotidiano e munido de elevadas doses de humor, ele irá dessacralizar e desmistificar a chamada alta literatura, fundindo o culto e o popular, numa tentativa de retomar vínculos diretos com um leitor comum. Esse leitor será figurado e “cutucado” em mais de um poema por meio de estruturas dialogadas, como lemos no primeiro verso de Advertência ao leitor (“O autor não responde pelos incômodos que possam ocasionar seus escritos:/Ainda que lhe custe/O leitor terá que se dar sempre por satisfeito...”). Trata-se de uma poesia direta, clara, contra as erudições linguísticas e o chamado purismo lírico, e que trabalha com o que ele definiu como um novo alfabeto: no lugar de dor e de arco-íris, ele fala de cadeiras, mesas, ataúdes e material de escritório.
Ao longo de sua imensa obra, que soma mais de mil páginas, Parra experimentou também com outros materiais como colagens e desenhos. Artefactos, de 1972, e Chistes parra desorientar a la policía poesía, de 1983, consistem em caixas de cartões postais poéticos.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram suas principais contribuições para a Literatura? Em sua análise, como elas repercutem atualmente?

Laura Janina Hosiasson: Apesar da inegável importância desta obra, na medida em que ela irradiou seu espírito genuinamente vanguardista pela América Latina afora, no Brasil padece de uma repercussão ainda muito tímida. Parte dela foi traduzida só muito recentemente na antologia Só para maiores de cem anos (São Paulo: 34 letras, trad. Joanna Barossi e Cide Paquet, 2018). Antes disso, alguns poemas tinham sido publicados juntamente com uma seleção de poemas de Vinicius de Moraes, em Nicanor Parra & Vinicius de Moraes, com uma excelente introdução de Carlos Nejar (Rio de Janeiro : ABL e Academia Chilena de la Lengua, trad. Carlos Nejar e Maximino Fernández, 2009).
Felizmente, a pesquisa nos meios acadêmicos brasileiros tem demonstrado interesse crescente e já se encontram disponíveis vários ensaios e teses, dentre os que destaco o artigo Antipoesia, metapoesia e ironia na obra poética de Nicanor Parra de João Claudio Arendt e Rafael Lucena Iotti (Rev. Texto Poético 32 (2021): 9-36), e a tese A grande comédia da antipoesia: Nicanor Parra, defendida em 2021 no Departamento de Teoria Literária na FFLCH USP por João Gabriel Mostazo.


Laura Janina Hosiasson é formada na Universidad de Chile, e é Doutora e Livre Docente pela FFLCH USP. Leciona Literatura Hispano-americana desde 2002 no Departamento de Letras Modernas da FFLCH. Suas linhas de pesquisa se centram na Literatura Hispano-americana dos sécs. XIX e XX. Além de inúmeros artigos em revistas especializadas, publicou Nação e Imaginação na Guerra do Pacífico (São Paulo: Edusp, 2012) e prepara um livro a ser publicado no Chile sobre a obra do romancista chileno Alberto Blest Gana (1830-1920).