Dia Nacional da Rebeldia Cubana

Em 1953, o dia 26 de julho marcou o início da Revolução Cubana; Fidel Castro transformou “uma derrota militar em uma retumbante vitória política”

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Gabriela Ferrari Toquetti
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“Antes de mais nada, Cuba demonstrou que a Revolução é possível”, segundo José Rodrigues Mao Júnior. [Arte: Gabriela Ferrari Toquetti]

O dia 26 de julho de 1953 foi um marco na história de Cuba. Há exatos 70 anos, nascia a Revolução Cubana quando mais de cem jovens liderados por Fidel Castro iniciaram uma tentativa de assalto ao Quartel Moncada, em Santiago. Revoltado com a opressão da ditadura de Fulgencio Batista - que havia começado no ano anterior -, o grupo de jovens buscava uma revolução contra o exército.

Os manifestantes “pretendiam tomar o quartel, com o intuito de se apoderar de seu arsenal e distribuir armas para a população. Chegaram a tomar um hospital defronte ao quartel (para atender os feridos), e pretendiam também tomar uma rádio para divulgar um manifesto com o intuito de levantar o povo cubano na luta contra a tirania”, explica José Rodrigues Mao Júnior, doutor em História Econômica pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

No momento do assalto, alguns manifestantes foram feridos e outros foram mortos. Depois, vários foram brutalmente torturados e assassinados. Apesar da derrota militar do dia 26 de julho de 1953, que ficou conhecido como Dia Nacional da Rebeldia Cubana, o movimento representou uma vitória política que, mais tarde, derrubaria a ditadura de Fulgencio Batista em 1959, no fim da Revolução Cubana. Desde o início, a revolução foi marcada pela rebeldia em relação ao regime da época.

Fidel Castro e seu irmão, Raúl Castro - além de outros revolucionários -, sobreviveram e foram julgados. Fidel defendeu, como advogado, o grupo de manifestantes e se consolidou como líder político e revolucionário.

A Revolução Cubana, que deu seus primeiros passos naquele dia 26 de julho, tinha vários objetivos - sendo o mais urgente o fim da ditadura, ou seja, a conquista da democracia. Mas, além disso, o povo cubano buscava superar as condições de subdesenvolvimento de seu país, como a pobreza, a fome e o analfabetismo.

Em 1959, com a vitória dos revolucionários e a queda do regime ditatorial, a América Latina viu nascer sua primeira experiência socialista. “Se por um lado a Revolução Cubana representa um sopro de esperança para a população humilde de diversos países, por outro ela também significa uma ameaça a todos os opressores, que, com a sua nefasta ação, mantêm milhões de trabalhadores na mais absoluta miséria. A exemplar luta do Povo Cubano é um dos grandes paradigmas das Revoluções do Século XX”, de acordo com José Rodrigues Mao Júnior. Confira a entrevista completa:

Serviço de Comunicação Social: O que aconteceu no dia 26 de julho de 1953 em Cuba e o que motivou esse processo?

José Rodrigues Mao Júnior: Nas primeiras horas da manhã do dia 26 de julho de 1953, um grupo de 123 rapazes e duas moças se lançaram numa ousada ação: tentaram tomar o Quartel Moncada, situado na cidade de Santiago de Cuba, e considerado - em termos de importância -  a segunda instalação militar do país.

A tentativa de assalto ao Quartel Moncada partiu de uma concepção estratégica elaborada por um grupo político que se formou a partir do estabelecimento da ditadura em Cuba, com um Golpe Militar liderado por Fulgencio Batista e chancelado pelo Departamento de Estado dos EUA. Este pequeno grupo político era liderado por um jovem advogado, Fidel Castro Ruz. Acreditavam ser possível pôr abaixo a ditadura através da resistência armada.

Até então, a maior parte dos grupos políticos que se opunham à ditadura defendiam que era possível uma revolução “com o exército” ou “sem o exército”. Fidel e os jovens revolucionários de seu grupo queriam provar que era possível fazer uma revolução “contra o exército”.

Contando com meios totalmente improvisados, estes jovens arrostaram o perigo e puseram em marcha a operação insurrecional. Pretendiam tomar o quartel, com o intuito de se apoderar de seu arsenal e distribuir armas para a população. Chegaram a tomar um hospital defronte ao quartel (para atender os feridos), e pretendiam também tomar uma rádio para divulgar um manifesto com o intuito de levantar o povo cubano na luta contra a tirania.

Entretanto, toda a operação veio a fracassar, depois que um sentinela conseguiu alertar, com um disparo, a guarnição do quartel. Seguiu-se um breve combate, que resultou em 8 revolucionários mortos e 5 feridos. Mais tarde, mais de 70 foram assassinados depois de capturados, a maioria após serem brutalmente torturados.

Fidel e Raúl Castro foram capturados, mas sobreviveram por uma questão fortuita. O oficial do exército que os capturou, agindo com honradez militar, impediu que os prisioneiros fossem executados sumariamente.

Os sobreviventes foram julgados, num julgamento que teve ampla cobertura da imprensa. Fidel Castro, na condição de advogado, assumiu a defesa do grupo. Durante as sessões de julgamento, Fidel Castro, com sua brilhante argumentação e oratória, inverteu a relação entre acusador e acusado, acabando por colocar a nefasta tirania no Banco dos Réus. Os presentes puderam ouvir, através da voz do líder do movimento revolucionário, as acusações dos crimes que aquele regime ilegítimo cometia contra todo o povo cubano. Também ouviram, horrorizados, os relatos de como os jovens revolucionários foram barbaramente executados.

Fidel conseguiu, portanto, transformar uma derrota militar em uma retumbante vitória política. Assim, nos dizeres do grande Professor Dr. Werner Altmann: “Fidel, tal como Sócrates diante do tribunal ateniense que o condenou à morte na antiguidade, recusou-se a aceitar a condição de réu, passando a denunciar a ditadura batistiana. Acusando-a de seus muitos abusos e colocando-a no banco dos réus, revelando a sua ilegitimidade”1.

Serviço de Comunicação Social: Quais eram os objetivos da Revolução Cubana?

José Rodrigues Mao Júnior: Os objetivos da liderança revolucionária foram evoluindo ao longo do processo revolucionário cubano.

Inicialmente, o movimento revolucionário cubano tinha como horizonte político circunscrito aquilo que poderíamos classificar como metas “democráticas burguesas”. Forjado na luta contra a Ditadura de Fulgencio Batista, o Movimento 26 de Julho (M26-7) - como passou a se chamar depois da tentativa de assalto ao Quartel Moncada - tinha a conquista da democracia como reivindicação imediata. Mas os seus objetivos políticos iam muito além disso. A grosso modo, propugnava o estabelecimento de um regime político que superasse as condições de subdesenvolvimento da ilha caribenha e a situação de pobreza em que vivia a sua população. Assim, desde o início, a luta contra o analfabetismo, a fome e pela reforma agrária estiveram presentes na luta do M26-7.

Os objetivos iniciais da Revolução Cubana estão expostos no opúsculo A História me Absolverá2. Esta obra, de autoria de Fidel Castro, baseia-se no discurso de defesa ao qual ele foi submetido (ele foi separado dos demais, durante o julgamento, para ser julgado numa sala de um hospital, sem a presença da imprensa). Neste documento podemos observar os princípios gerais do M26-7, que propugnavam soluções que não necessariamente significavam a superação da estrutura econômica capitalista.

Depois desta primeira ação em Moncada, os revolucionários cubanos trilharam um longo percurso. Passaram por um período na prisão e exílio no México. Posteriormente desembarcaram na região da Sierra Maestra, e, com o fracasso dos levantes que deveriam ocorrer simultaneamente nas cidades, foram obrigados a adotar um lento processo de Guerra de Guerrilhas. Ao longo desse processo de luta, a base social do M26-7 foi mudando substancialmente. Surgido no seio de uma camada média radicalizada, agora o movimento se acamponesa. Rapidamente, junto às reivindicações dos camponeses pelo direito à terra e a justiça social, surgem os anseios dos trabalhadores por melhores condições de vida. E é esta sólida base social popular que imprime à revolução uma inspiração cada vez mais radical e libertadora.

Após a tomada do poder em 1959, começa a ação da contrarrevolução organizada nos EUA. As primeiras medidas revolucionárias (como a reforma agrária de 1959) fizeram com que a burguesia cubana passasse para o campo inimigo. A partir desse momento, a base social passa a repousar, cada vez mais, nos ombros do campesinato e da classe operária.

Dessa forma, a Revolução Cubana se radicaliza continuamente, principalmente após as agressivas ações dos EUA. Para poder cumprir as metas iniciais da Revolução, a sua liderança teve de propor metas cada vez mais avançadas, sem as quais as metas iniciais - mais modestas - não poderiam ter sido cumpridas. Para superar os principais estigmas do subdesenvolvimento, foi necessário romper com o próprio sistema capitalista.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram as repercussões dessa revolução após o seu fim e, inclusive, atualmente?

José Rodrigues Mao Júnior: O surgimento da primeira experiência socialista no continente americano causou um profundo impacto na esquerda latino-americana e no Terceiro Mundo. Pela primeira vez, uma pequena nação caribenha conseguiu impor sucessivas derrotas ao Imperialismo, enfrentando até mesmo as ameaças de extermínio nuclear. Inicialmente, parte da esquerda latino-americana intentou “copiar” o modelo insurrecional cubano, através de uma política de estímulo à Guerra de Guerrilhas. Infelizmente, essas tentativas fracassaram, talvez por não ser possível “copiar” as condições objetivas e subjetivas de uma revolução.

Antes de mais nada, Cuba demonstrou que a Revolução é possível. E que cada povo deve buscar o caminho para se libertar da opressão imperialista. Apesar de todas as dificuldades, marcadas principalmente por mais de seis décadas de bloqueio econômico, os cubanos ostentam com orgulho as principais conquistas de sua Revolução. Se por um lado a Revolução Cubana representa um sopro de esperança para a população humilde de diversos países, por outro ela também significa uma ameaça a todos os opressores, que, com a sua nefasta ação, mantêm milhões de trabalhadores na mais absoluta miséria. A exemplar luta do Povo Cubano é um dos grandes paradigmas das Revoluções do Século XX.

1ALTMANN, Werner. México e Cuba: revolução, nacionalismo e política externa. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 46.

2CASTRO, Fidel. A história me absolverá. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980.

José Rodrigues Mao Júnior é mestre e doutor em História Econômica pela FFLCH-USP. Atualmente é Efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo. Atua principalmente nos seguintes temas: Revolução Cubana, Questão Nacional, Cuba, Nacionalismo, Anti-Imperialismo.