Nascimento de Yasunari Kawabata

Precursor mais importante do movimento literário neossensorialista japonês, Yasunari se destacou principalmente por escrever obras que continham grande sensibilidade e expressavam a essência da mente japonesa

Por
Astral Souto
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"Kawabata já vinha sendo indicado ao Nobel de Literatura por sete anos seguidos e reconheceram nele, acredito, um autor que exercitou a sua sensibilidade, criando um mundo imaginário pautado no real, com muita beleza e vários personagens que revelam o seu âmago", afirma a professora Neide Hissae Nagae (Arte por: Astral Souto)

Surgida no Japão, a corrente literária neossensorialista ocorreu na revista literária Bungei Jidai, lançada em 1924, e era caracterizada por contar histórias a partir da estimulação dos cincos sentidos e influenciada pelas correntes modernistas que aconteciam no mundo. Os escritores que faziam parte desse movimento produziam obras que contavam com longas descrições sobre o ambiente, alimentando a imaginação dos leitores, seus textos detalhavam cheiros, gostos e texturas que os personagens sentiam.

Seu maior representante foi Yasunari Kawabata, nascido em 11 de junho de 1899, em Osaka, e registrado em 14 de junho do mesmo ano. Primeiro escritor japonês a ganhar o Nobel de Literatura, em 1968, e co-criador da revista Bungei Jidai e autor das obras Kyoto (1964), O país das neves (1935) e Beleza e tristeza (1964). Teve uma vida cheia de perdas, seus pais, irmãos e avós faleceram antes mesmo de completar 17 anos, além de vivenciar inteiramente a Segunda Grande Guerra, que castigou o território japonês.

Confira entrevista completa com a professora Neide Hissae Nagae, docente do Departamento de Letras Orientais  da Faculdade de Ciências e Letras (FFLCH) da USP, para o Serviço de Comunicação Social da FFLCH:

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Você poderia comentar brevemente sobre quem foi Yasunari Kawabata para os leitores que ainda não o conhecem?

Neide Hissae Nagae: Yasunari Kawabata (1899-1972) foi o primeiro escritor japonês a conquistar o Prêmio  Nobel de Literatura, quando estava com 73 anos de idade. Várias de suas obras estão disponíveis para leitura em português, em tradução indireta desde a década de 1960. Hoje, são cerca de uma dúzia de obras em tradução direta que começaram a ser publicadas a partir de 2005.

A dançarina de Izu (1926) é uma das mais curtas; Contos que cabem na palma da mão é uma coletânea de textos curtos de várias épocas. Acredito que uma das mais vendidas no Brasil e de pequena extensão é A casa das belas adormecidas (1961). As primeiras obras em tradução direta são de 2005: O país das Neves (1935) e Kyoto (1964) sendo, a última, Beleza e tristeza (1964). O autor retrata figuras femininas, mas o protagonista tende a ser uma figura masculina que ilumina essas mulheres de várias faixas etárias. Kawabata teve influências do movimento de vanguarda que aconteceu no mundo inteiro e ficou conhecido como o representante da corrente neossensorialista iniciada com a revista Bungei Jidai, em 1924, que ajudou a criar com Riichi Yokomitsu, seu idealizador, e que durou até 1927, cerca de quatro anos apenas. Mas as características dessa corrente perduraram e podem ser percebidas ao longo de toda a carreira literária de Kawabata que realçam os cinco sentidos fazendo-se presentes em suas descrições maravilhosas e estimulam as percepções de nossa visão, audição, tato, e até o paladar e o olfato, que podemos desenvolver em nosso cotidiano. O sucesso literário de Kawabata começou cedo, ainda quando era universitário, e ele  atravessou épocas como escritor consagrado mesmo depois da Segunda Guerra Mundial, que no Japão, foi avassaladora.

Sua vida, no entanto, foi cheia de perdas: do pai quando bebê, da mãe aos 3 anos, da  avó aos 6 anos e da irmã aos 10 anos. Com a morte do avô, quando ele tinha 16 anos, ficou sozinho no mundo, pois fora separado da única irmã logo cedo. Uma de suas obras relembra o avô cego já próximo da morte, quando ele retorna da escola e o ajuda com suas necessidades. As perdas de Kawabata continuaram com vários amigos e ele acabou sendo ironicamente conhecido como o mestre dos funerais. Decidiu ser escritor quando estava com 15 anos e costumava ler as revistas literárias da época.

Ao ingressar na Universidade de Tóquio, Kawabata participou da revista Shinshichō Nova Corrente de Pensamento que já estava sob a liderança do 6º grupo de escritores universitários e que nela atuaram entre 1921 e 1923 (A revista universitária foi criada em 1907 e continua até hoje). Foi em seu primeiro número, de fevereiro, que se deu a estreia de nosso autor com Aru Kon’yaku – Um noivado – e, no número 2, de abril, Shōkonsai ikkei – Cena de um funeral – elogiado por Kikuchi Kan. Ambos sem tradução para o português. Pouco depois, Kawabata também começava como crítico literário. O autor publicou uma grande quantidade de obras que lhe renderam diversas edições e também coletâneas de suas obras completas. Mas deixou algumas não concluídas como Tampopo – Dente-de-leão – que estou traduzindo para a Editora Estação Liberdade, responsável por uma série de livros em tradução direta do japonês.

Kawabata faleceu em 1972, supostamente por suicídio por gás. Já há algum tempo, o escritor não gozava de muita saúde e estava perdendo cada vez mais a visão. 

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Qual a importância da criação da revista literária Bungei Jidai e do movimento neossensorialista (shinkankakuha)?

Neide Hissae Nagae: Bungei Jidai foi a terceira revista literária criada por Kawabata após ter participado da  6ª Shinshichō e da Bungei Shunjū, ambas existentes até o presente. Apesar da sua circulação muito breve, cerca de dois anos apenas, foi com ela que a corrente estética Shinkankakuha, normalmente traduzida como neossensorialista, nasceu com a denominação dada pelo crítico Hideo Kamei.

A revista e seus integrantes seguiam os movimentos modernistas que aconteciam no mundo e também no Brasil na década de 1920. Foi notória justamente pelas novidades propostas chamando a atenção para o que vinha da Europa e dos EUA, já atraente desde fins do século 19, mas com um novo vigor como o foi em nosso país. No Japão da época, muitos escritores de renome publicavam suas obras em outras revistas literárias, ao estilo de círculos literários universitários, algo praticamente inexistente no Brasil, e iam ganhando seu espaço, coexistindo entre si. Cabe lembrar que isso se deve ao trabalho editorial japonês muito profícuo existente desde sempre e um grande público leitor. Por isso, é muito fácil citar nomes de escritores, poetas e críticos literários que foram contemporâneos a Kawabata nessa fase inicial demarcada pelo grande terremoto da região leste japonesa em 1923. Para citar apenas o que existe disponível para leitura em português, ainda nesse antes e depois, temos Riichi Yokomitsu, Ryūnosuke Akutagawa, Jun’ichirō Tanizaki, Kafū Nagai, Naoya Shiga, Fumiko Hayashi, Takiji Kobayashi, Yoshiki Hayama, Sunao Tokunaga, Tatsuzō Ishikawa, Motojirō Kajii, entre outros, além de Kenji Miyazawa,também poeta como Sakutarō Hagiwara, além dos demais poetas da linhagem moderna ocidental. Em suma, a corrente neossensorialista se destacou com a revista Bungei Jidai, mas não se sobrepôs às demais que também tinha muitos autores renomados.

Yasunari Kawabata foi um dos que manteve sua popularidade antes e depois da Segunda Guerra Mundial. É um dos nomes que integravam o júri do cobiçado Prêmio Literário Akutagawa, criado em 1935, e participou ativamente do P.E.N Clube do Japão, tendo auxiliado na sua restauração após a guerra e assumiu sua vice-presidência em 1958. Viajou por vários países como membro do P.E.N Clube e chegou a passar pelo Brasil em 1960.

Serviço de Comunicação Social da FFLCH: Em sua opinião, cite os motivos pelos quais Yasunari Kawabata ganhou o Prêmio Nobel de literatura em 1968 e por que foi o primeiro escritor do Japão a conseguir esse feito?

Neide Hissae Nagae: A resposta mais precisa é não sei o que motivou os indicadores da academia Sueca. Sei que foram pelos dados divulgados e que ele foi indicado por vários anos antes  de realmente ser agraciado com o Prêmio. A razão apontada pelo comitê foi “por sua maestria narrativa, que com grande sensibilidade expressa a essência da mente japonesa”, ("for his narrative mastery, which with great sensibility expresses the essence of the Japanese mind"), conforme conseguimos saber com relativa facilidade e que as obras objetos de análise teriam sido O País das Neves, Kyoto, Mil Tsurus (1951) e alguns contos. Refletindo sobre o motivo da premiação, eu diria que o comitê deve ter observado que Kawabata já vinha sendo indicado por sete anos seguidos e reconheceram nele, acredito, um autor que exercitou a sua sensibilidade, criando um mundo imaginário pautado no real, com muita beleza e vários personagens que revelam o seu âmago, sendo eles admiráveis ou abomináveis, além de inserir vários bens culturais do Japão em vias de desaparecimento ou de desvalorização na época, e com um olhar direcionado para as mulheres, sua beleza, suas angústias. O citado coração japonês da época, estaria em todas as suas obras? Vale a pena conferir tendo em mente que seu discurso na premiação do Nobel foi Utsukushii nihon no watashi, traduzido como A beleza do Japão e Eu.

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A professora Neide Hissae Nagae, do Departamento de Letras Orientais da USP, é mestra em Letras: Língua, Literatura e Cultura Japonesa (2000) e Doutora em Letras: Teoria Literária e Literatura Comparada (2006), ambos pela FFLCH - USP.