Evento discute diferentes estudos sobre o comportamento cerebral em pessoas cegas

Encontro no IEA reuniu resultados de pesquisas sobre crânio humano, processamento cerebral de linguagem abstrata e metáforas por pessoas cegas como parte de projeto “guarda-chuva”

Por
Pedro Seno
Data de Publicação
Editoria

Na foto: grupo de pesquisadores se reúne em evento
(Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social - FFLCH USP)

Dia 27 de junho, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, ocorreu o evento “Crânios e Cérebros: Estudos fora da Caixinha - Perspectivas e Recortes Científicos”. A ocasião serviu para apresentar trabalhos de pesquisa que englobam pontos de vista diversos para articular o projeto principal chamado “Recursos inferenciais na metáfora situada e audiodescrição – estudo contrastivo”. A pesquisa pretende entender como o cérebro de pessoas cegas interpreta metáforas e linguagem abstrata.

Para desenvolver a proposta, Maria Célia Lima-Hernandes, coordenadora do projeto e professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e do IEA, reuniu uma gama de pesquisadores de diversos institutos da USP. 

A professora comenta o nome “fora da caixinha” como a intenção de trazer os pensadores para além de suas disciplinas e auxiliar no progresso da ciência. “A caixinha disciplinar da nossa formação é essencial para começar tudo, mas é muito importante que a gente comece a vivenciar conhecimentos diferentes para expandir a nossa mente e encontrar novos caminhos para pensar a ciência”, destacou Maria Célia.

Segundo a professora, o evento atingiu o objetivo e foi importante para o encontro entre as múltiplas partes: “A equipe é muito grande e cada um estuda um ‘pedacinho’. Hoje foi a oportunidade que todos nós tivemos para ver o que cada um fez e compreender a que resultados chegamos”. 

Maria Célia também indicou a importância de se divulgar um projeto sobre pessoas cegas: “Por outro lado, uma série de pessoas na internet e presencialmente, puderam ter contato e se sensibilizar para um tema que não é só científico, para gente é uma causa”, concluiu a professora.

Esteve presente o professor Paulo Capel, da FO, que há alguns anos tornou-se uma pessoa de baixa visão e também é integrante da pesquisa. O professor celebrou a preocupação dos pesquisadores em estudar a realidade de pessoas cegas e ressaltou a importância dos estudos em audiodescrição. 

Durante a apresentação dos trabalhos, comentou sobre a relevância da tecnologia assistiva em smartphones, por exemplo, para auxiliar no dia a dia destas pessoas: “Eu como uma pessoa de baixa visão aos 60 anos e agora com 65, entendo muito da importância do braille para pessoas que nasceram cegas. Mas que oferecimento de braille nós temos na sociedade? Muito pouco. Eu não quero aprender o braille agora, eu acredito que as tecnologias assistivas estão ajudando muito mais do que o braille em si”, afirmou Paulo.

Exposição de curadoria do professor Walter Neves no IEA. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social - FFLCH USP)
Exposição de curadoria do professor Walter Neves no IEA. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social - FFLCH USP)
Banner com trabalho de iniciação científica. Na foto, aluno Kauã Machado dos Santos. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)
Banner com trabalho de iniciação científica. Na foto, aluno Kauã Machado dos Santos. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)

Na parte da manhã, o primeiro painel abordou, dentre outros assuntos, a neurolinguística e cognição social, sob apresentação da professora Edwiges Morato, da Unicamp, e a evolução do crânio de hominínios, com o professor Walter Neves, do IEA, que possui mostra no próprio prédio do instituto exibindo peças do seu trabalho.

Também estiveram incluídos no evento estudantes de iniciação científica da FFLCH, que expuseram seus trabalhos relacionados ao projeto em cartazes na sala ao lado do auditório, onde os participantes conversaram e tiraram dúvidas a respeito das pesquisas sendo realizadas.

No Painel II, os pesquisadores Saulo César Paulino e Silva (FFLCH), Renata Barbosa Vicente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e do Grupo de Pesquisa Linguagem e Cognição (LinC) da USP, Cristina Lopomo Defendi do Instituto Federal de São Paulo e do LinC e Mônica Maria Soares Santos (LinC) apresentaram seus projetos de doutorado ou pós doutorado que fazem parte do estudo principal.

Na parte da tarde, as apresentações focaram em explicar e detalhar a metodologia, desafios e processos do Projeto Universal CNPq, que é o projeto “guarda-chuva” de todos os integrantes que estiveram no evento.

O Projeto Universal CNPq

A pesquisa busca compreender quais áreas do cérebro humano são ativadas quando frases ou sequências linguísticas mais complexas são disponibilizadas a participantes cegos em formato de audiodescrição. Até então, o comportamento cerebral nesses casos é desconhecido.

Para atingir tal objetivo foi selecionado o método por mapeamento com Ressonância Magnética Funcional (fMRI), que fornece imagens do cérebro com contrastes onde são detectadas variações do fluxo sanguíneo e, consequentemente, onde ocorreu atividade cerebral. O responsável pela configuração e utilização da máquina que faz a leitura é Hernán Joel Cervantes do Laboratório de Ressonância Magnética, do IF, e apresentou ao grupo em detalhes o funcionamento do processo.

Pesquisador Hernán Joel Cervantes (IF/USP) apresentando dados de fMRI. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)
Pesquisador Hernán Joel Cervantes (IF/USP) apresentando dados de fMRI. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)

Para leitura e processamento dessas imagens, a pesquisadora Mariana Penteado Nucci do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) mostrou as referências de pesquisas já realizadas que forneceram uma interpretação dos perfis gerados pela fMRI quando voluntários são submetidos à audiodescrição de frases. Em seguida, apontou o caminho para compreensão das imagens de ressonância quando aplicadas às pessoas participantes, que são cegos congênitos, cegos tardios e pessoas com visão, como controle. Mariana explicou quais áreas do cérebro devem ser observadas nos experimentos e apresentou resultados parciais dos testes já realizados.

Pesquisadora Mariana Penteado Nucci (FM/USP) na apresentação das leituras das ressonâncias magnéticas. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)
Pesquisadora Mariana Penteado Nucci (FM/USP) na apresentação das leituras das ressonâncias magnéticas. (Foto: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)

Este conjunto da pesquisa, intitulado no evento como “Leitura de Imagens de Processamento da Linguagem Abstrata no Cérebro”, esteve sob coordenação da professora Fraulein Vidigal de Paula, do Instituto de Psicologia (IP) da USP.

A parte linguística do experimento precisa levar em conta a seleção e formulação das sequências de metáforas que são utilizadas na audiodescrição para analisar o comportamento cerebral na interpretação. No campo dos estudos da linguagem e cognição, espera-se ampliar o conhecimento a respeito do funcionamento de linguagem complexa e revisar teses existentes sobre a interpretação deste tipo de linguagem.

Os objetivos do projeto são, para além da ampliação do conhecimento no assunto que aborda diferentes áreas de pesquisa, subsidiar e fomentar a produção e elaboração de conteúdo no formato de audiodescrição, que, se integrado às tecnologias assistivas, podem auxiliar no dia a dia de pessoas cegas ou com baixa visão.

O evento foi transmitido no canal do YouTube do IEA: