Escola de Frankfurt

Conhecida entre estudantes de Comunicação e Filosofia, o pensamento da Escola influenciou amplos estudos sociais, políticos e permanece referência nos dias atuais

Por
Pedro Seno
Data de Publicação

(Arte: Pedro Seno/ Serviço de Comunicação Social FFLCH)

Formada no início do século 20, a Escola de Frankfurt é conhecida por desenvolver a Teoria Crítica da Sociedade, que se distingue da Teoria Tradicional por sua abordagem dialética e crítica. Enquanto a Teoria Tradicional tende a se concentrar em análises descritivas e objetivas das estruturas sociais, a Teoria Crítica busca entender as relações de poder e dominação que permeiam a sociedade. Essa abordagem enfatiza a necessidade de uma reflexão crítica sobre a cultura, a ideologia e as condições sociais, questionando as premissas que sustentam o status quo e propondo uma emancipação dos indivíduos.

Olgária Matos, Professora Titular do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica em entrevista que entre os principais integrantes da Escola estão figuras como Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm. Dois deles, Horkheimer e Adorno, são conhecidos por sua obra Dialética do Esclarecimento, que analisa a relação entre razão e dominação, argumentando que a racionalidade técnica pode levar à opressão. Herbert Marcuse, por sua vez, destacou-se por suas críticas à sociedade de consumo e à repressão cultural, propondo a ideia de uma revolução que libertasse as potencialidades humanas. Erich Fromm focou na psicologia social, explorando como as condições sociais afetam a psique humana e a busca por liberdade.

A influência da Escola de Frankfurt se estendeu além da Alemanha, impactando o pensamento social e político em diversas partes do mundo. Suas ideias sobre a cultura de massa, a crítica ao autoritarismo e a análise das dinâmicas sociais foram fundamentais para o desenvolvimento de movimentos sociais e teóricos nas décadas seguintes. A crítica à razão instrumental, que Horkheimer e Adorno abordaram, ressoou em debates contemporâneos sobre a tecnologia e a ética, questionando como a racionalidade pode ser utilizada para fins opressivos.

Por fim, a relevância desses pensamentos permanece atual, especialmente em um contexto onde as questões de autoritarismo, desigualdade e alienação cultural continuam a ser debatidas. A Teoria Crítica oferece ferramentas analíticas para entender as complexidades da sociedade contemporânea, incentivando uma reflexão profunda sobre as estruturas de poder e as possibilidades de emancipação.

Confira na íntegra a entrevista da professora Olgária Matos concedida à Comunicação Social da FFLCH:

Serviço de Comunicação Social: Em linhas gerais, o que foi a Escola de Frankfurt? Quem eram seus principais integrantes?

Olgária Chain Feres Matos: A Escola de Frankfurt é a denominação dos anos 1950 atribuída ao círculo de estudiosos que se reuniram no Instituto para a Pesquisa Social, iniciado em 1923 na Alemanha. Ela é reconhecida pela elaboração de uma Teoria Crítica da Sociedade, como crítica à Teoria Tradicional. Esta é a razão da “ordem e da medida” cartesianas, geométrica e algébrica, que assim se pretende neutra e subtraída à História. Para ela, o real é mecânico, constante, causal e matematizável, tudo podendo ser submetido ao cálculo. A Teoria Tradicional concebe o espaço como um continuum simultâneo e o tempo um continuum sucessivo.

Já a Teoria Crítica é crítica do método dedutivo e indutivo, que se funda no princípio de identidade e na não-contradição; voltando-se para  a dialética. A Teoria Crítica incorpora o contraditório e o não-idêntico, o que, em uma Teoria da Sociedade e da História, se traduz em crítica das continuidades e de modelos a serem seguidos — como aconteceu com o Partido Comunista Alemão, nos anos 1920, que se orientava pelo Partido Bolchevique da Revolução Russa de 1917, como se a Alemanha devesse seguir as mesmas “etapas” da Revolução Russa, desconsiderando-se as diferenças entre culturas, experiências históricas, formação política e tradições. 

A partir de 1932, o Instituto para a Pesquisa Social  teve como diretor Max Horkheimer, recebendo entre seus colaboradores, na Revista para a Pesquisa Social, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, Erich Fromm, Leo Löwenthal, Franz Borkenau, Friedrich Pollock, Otto Kirchheimer, entre outros, além de autores próximos como Siegfried Kracauer, Walter Benjamin, Franz Neumann. Com origens intelectuais e influências teóricas diversas, como a presença de Schopenhauer e seu “pessimismo clarividente” em Horkheimer, Adorno a de Kant e Hegel, no jovem Marcuse a de Heidegger, Walter Benjamin associando marxismo e teologia secularizada, a psicanálise freudiana em Erich Fromm e seu Medo à Liberdade; e também Kracauer e suas pesquisas com funcionários públicos e operários na Alemanha, bem como seu interesse pelo cinema com seu “De Caligari a Hitler; Franz Neumann e suas análises do funcionamento do Estado autoritário em seu Behemoth e Leviatã. Os frankfurtianos tinham um horizonte intelectual comum. Além de Kant, Hegel e Marx, Comunidade e Sociedade de Ferdinand Tönnies, em que a obra apresenta a passagem da vida em comunidade, com seus laços de consanguinidade, parentesco e proximidade — denominada por ele de “solidariedade orgânica” — para a sociedade em que opera uma razão formalizadora e burocrática, desafetivada, “solidariedade mecânica”. Tal racionalidade, em sua abstração e neutralidade axiológica, “encontra-se distante da singularidade sofredora.” Weber de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, tem grande importância, sobretudo no tema do “desencantamento do mundo”, a desmitologização da natureza que perde seus aspectos místicos, sagrados e proféticos. Quanto ao sujeito histórico, torna-se de agente em agido por forças que não controla. Neste aspecto, a influência de O Capital e o fetichismo da mercadoria, bem como a da autonomização da economia e da tecnologia com respeito ao Sujeito autônomo e consciente de seus fins. Leitores ainda de História e Consciência de Classe de Lukács, reelaboram o estudo da reificação, das transformações do tempo, da queda da qualidade em quantidade, com o desaparecimento da duração e a perda da qualidade dialética do vivido. E Karl Korsch se faz presente com seu Marxismo e Filosofia, que procura refilosofar o pensamento de Marx, contra sua transformação em economicismo, a sociedade em que todos os valores se dissolveram em valor–de-troca, não correspondente ao mundo propriamente humano, mas ao mundo do Capital.

A Teoria Crítica da Sociedade tem por horizonte acontecimentos históricos e políticos. Que se pense na  recente unificação dos diversos estados da Alemanha sob Bismarck, na Guerra franco-prussiana de 1870-1871 e a hegemonia da Prússia, do militarismo e da burocracia na conformação do Reich. Assim, dizia-se da Alemanha que ela não era “um país  que tinha um exército”, mas “um exército tinha um país”; que se considere também a Revolução Russa de 1917, a ascensão do Fascismo na Itália em 1919, do Nazismo na Alemanha, em 1933, do Stalinismo na URSS, a partir de 1928, nos nacionalismos, no Capitalismo em suas novas formas de  acumulação do Capital. É nesse quadro que os frankfurtianos buscam uma resposta às motivações que levaram Hitler ao poder pelo voto, analisando o tema da “servidão voluntária, matéria também de Wilhelm Reich em A Psicologia de Massas do Fascismo: “Por que os indivíduos escolhem livremente seus próprios opressores? Por que a vítima se torna perseguidora de si mesma?”.

Serviço de Comunicação Social: Quais áreas do conhecimento e por quais ideias principais a Escola de Frankfurt é conhecida?

Olgária Chain Feres Matos: A Teoria Crítica da Sociedade abrange da filosofia à tecnologia, da epistemologia das ciências à antropologia, da psicanálise à história, da política à moral, da estética à literatura, à música e às artes, da sociedade de massa ao autoritarismo, da democracia à ditadura e formações totalitárias, da propaganda e do jornalismo à publicidade, do trabalho alienado à ideologia e burocracia, da educação à família, do  movimento trabalhista à militância política, da sociedade tecnológica ao racismo e antissemitismo. Em seu campo teórico, buscam  as rupturas e continuidades entre o capitalismo liberal e o fascismo: “o fascismo é o capitalismo liberal que perdeu seus escrúpulos”. Daí a importância da Utopia, “para aqueles que são capazes de verdadeira tristeza”, Utopia porque a “felicidade é uma ciência esquecida”. A Utopia é o “inteiramente outro” com respeito aos sofrimentos da sociedade atual.

A Escola de Frankfurt e a Teoria Crítica da Sociedade apresentam, por assim dizer,  três períodos, o primeiro nos anos 1920, início dos anos 1930, com a predominância  do marxismo. São desse período ensaios dos diferentes colaboradores da Revista para a Pesquisa Social entre 1932 e 1941. Seguem-se os anos de exílio nos EUA quando da ascensão de Hitler ao poder, as perseguições aos judeus, a preparação da Segunda Guerra, os campos de concentração e de extermínio. No período americano se destaca a obra central Dialética do Esclarecimento, escrita por Horkheimer e Adorno e publicada em 1944. Sob os auspícios de Marx, Nietzsche e Weber, em particular, o livro prefere, para explicar os fenômenos totalitários, deslocar a crítica da economia política para a da civilização técnica, passando do conceito de exploração ao de dominação, porque se trata do desejo de submissão a um líder autoritário e violento, com o apagamento do ideário do Iluminismo filosófico de emancipação e autonomia dos sujeitos conscientes de seus fins: “O iluminismo, no sentido mais amplo do pensar que faz progressos, sempre teve por meta libertar os homens do medo e fazer deles senhores. Porém, a terra inteiramente iluminada brilha sob a luz de uma triunfante desventura”. Voltando-se para o lado sombrio da razão das Luzes, Horkheimer e Adorno refletem sobre a história da razão em suas relações com o mito sacrificial arcaico.

Tanto o mito quanto a razão partem de uma mesma necessidade, sobrevivência e auto conservação, a fim de dominar as ameaças que produzem angústia e medo, procurando transformar o que é desconhecido e assustador, em algo familiar e controlável. Assim, quando um raio corta os céus e a ele segue-se um estrondo, é Zeus descontente com os fiéis que não lhe prestaram as devidas reverências. O que já é uma explicação que reduz o campo do espanto. Se o mito se comunica com a natureza pelo mimetismo, imitando os fenômenos naturais com gestos de cólera ou apaziguamento, a ciência dessacraliza a natureza pelo conhecimento de suas leis, sem referir-se à transcendência mítica ou teológica. A Ciência o faz dominando a natureza, tomando-a como um conjunto de objetos disponíveis e manipuláveis por um sujeito de conhecimento que quer ter poder sobre todas as coisas. Por isso, “o animismo animou a natureza, o industrialismo reificou a alma.”

Deste modo, a Dialética do Esclarecimento é a transformação do esclarecimento em dominação da natureza, dos homens e da natureza interior dos homens. Horkheimer e Adorno acompanham a constituição do Sujeito para o qual “saber é poder”, compreendendo-o no interior da violência mítica, como história de um sacrifício, de que Ulisses na Odisséia de Homero é a expressão, em particular no episódio do canto das sereias. Ao final da Guerra de Tróia, o herói atravessa vários perigos. É advertido por Circe, vidente e feiticeira, de que passará por uma ilha em que um canto feminino é sedução e perdição para os que por ele são atraídos. Ulisses quer conhecer esse canto, sem correr risco de vida. Com astúcia, tem uma solução para si mesmo, pedindo a seus marinheiros que o amarrem ao mastro do navio. Quanto aos seus “proletários maleáveis”, Ulisses tapa seus ouvidos com cera, e, assim, os trabalhadores do navio continuam a remar, desconhecendo ao mesmo tempo o perigo e a beleza de vozes melodiosas. Quanto a Ulisses, consegue ouvir o canto ao preço da renúncia e do auto sacrifício. Ele é o comandante do navio por que, antes de dominar aos outros, foi capaz de dominar a si mesmo. Valendo-se dessa razão transformada em domínio, subordina-se a emancipação, substituída pela pulsão à dominação. Assim, os progressos da Razão se fazem pela violência sobre toda a natureza, sobre animais e humanos. É uma razão técnica que não se pergunta sobre seus fins, se úteis ou desejáveis.

Para Horkheimer e Adorno, a racionalidade técnica escapou ao controle humano e progride sem rumo nem direção, exigindo novos sacrifícios de sangue, como nas técnicas de destruição bélicas que promovem sacrifícios sangrentos. Nestes termos os autores se referem a Bacon e seu A grande instauração da ciência, publicada em 1638: “muitos passarão, a ciência avançará”. É a própria razão responsável por produzir o irracional, pois para ela há o progresso da ciência que silencia suas vítimas. De onde a máxima: “o mito já é iluminismo e o iluminismo recai em mitologia”.

Em um terceiro período, o de retorno à Alemanha no período da desnazificação, a Teoria Crítica enfatiza os aspectos emancipatórios da razão, contra a hipertrofia da razão instrumental, uma razão que reconcilie sensibilidade a abstração, para que “Auschwitz não se repita”. Daí a importância da educação e da “educação da razão” para se desfazer da “frieza burguesa” e da indiferença, que se exerça com a compaixão. Por isso, aos frankfurtianos importa o Amor e a utopia do feminino como não-violência, delicadeza, ternura e solicitude, antídoto à sociedade de valores viris de dominação, uma razão  que não seja “saber é poder”. É uma razão “andrógina”, que reconcilia aspectos ativos e os contemplativos da Razão, contrapartida à racionalidade “patriarcal” e seus valores viris de competição e de pragmatismo. Se a sociedade contemporânea ficou a dever a suas próprias esperanças emancipatórias, é por ela estar em crise. Esta crise é da cultura, é “crise na capacidade de amar”.

Serviço de Comunicação Social: Como a Escola de Frankfurt é estudada nos dias atuais, no contexto acadêmico da FFLCH, por exemplo?

Olgária Chain Feres Matos: Como Horkheimer, Adorno, Marcuse e Benjamin, em particular, refletiram sobre diferentes autores e temas, de Montaigne e a Marx, de Bacon a Kant, de Descartes a Hobbes, de Sócrates a Hegel, de Proust e Beckett, Schönberg e Stravinsky, Freud e Karen Horney, elaboraram uma crítica da imprensa, como o escritor, jornalista e polemista Karl Kraus, e da indústria cultural, da educação e da cultura dos esportes que substituiu a Escola, esses autores abrangem todas as áreas, das Ciências exatas e biológicas, das Ciências Humanas ao Direito. Indicando a diferença entre democratização da cultura e sua massificação, Horkheimer escreveu: “os deserdados da cultura são os verdadeiros herdeiros da cultura". A Teoria Crítica encontrou seus continuadores em Jürgen Habermas e seus estudos sobre o espaço público e o espaço privado, em Axel Honneth e a “luta pelo reconhecimento” na sociedade, Karl Otto Apel e o questionamento dos discursos e os critérios de validade,  entre outros. Se a sociedade contemporânea ficou a dever a suas próprias esperanças emancipatórias, é por ter a razão instrumental decretado o fim do papel filosófico e existencial da cultura. A crise atual é a crise da cultura. Se, como anotou Adorno, cultura requer Amor, “crise da cultura é crise da capacidade de amar”.


Olgária Chain Feres Matos é uma professora, filósofa, escritora e pesquisadora no campo da Teoria das Ciências Humanas. Sua tese de doutorado Os arcanos do inteiramente outro ganhou o Prêmio Jabuti de Ciências Humanas em 1990.  Atualmente é professora titular aposentada do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo e professora titular no Departamento de Filosofia da EFLCH-Unifesp. É Coordenadora da Cátedra Edward Saïd (Unifesp).