Durante evento na Faculdade, docentes discutiram novo formato de mestrado e doutorado proposto pela Universidade

Nesta quarta-feira, 9 de abril, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizou um debate entre docentes da Faculdade acerca do novo modelo de pós-graduação proposto pela reitoria. Marilena de Souza Chaui, Maria Arminda do Nascimento de Arruda, Ana Fani Alessandri Carlos e José Luiz Fiorin foram os docentes convidados para a discussão no auditório Milton Santos.
Até 2024, a Pós-Graduação Stricto Sensu era composta por um mestrado, que variava de dois a quatro anos; um doutorado de três a cinco anos , e um doutorado direto, que poderia ser concluído em até seis anos. Em novembro do mesmo ano, a USP assinou um acordo para reformular o modelo, junto com outras cinco universidades públicas.
A nova proposta sugere que o estudante dedique os primeiros doze meses do mestrado a disciplinas integrativas, trans e interdisciplinares. Ao final do primeiro ano, o pós-graduando será avaliado e, caso seja aprovado, poderá optar por seguir no mestrado (para conclusão em um ano) ou convertê-lo em doutorado (para conclusão em até quatro anos).
Sob mediação de César Ricardo Simoni Santos, presidente da Comissão de Pós-Graduação (CPG), cada membro da mesa elucidou ao público os aspectos da história da pós-graduação na FFLCH e apresentou suas visões pessoais sobre a proposta do novo modelo.

Visão dos participantes
Os convidados ressaltaram a importância de repensar a estrutura do modelo de pós-graduação atual da FFLCH. Ainda assim, apresentaram divergências em relação ao novo formato proposto pela Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP.
Ana Fani Alessandri Carlos, professora do Departamento de Geografia da FFLCH, destacou que a Universidade não deve seguir a lógica de mercado do sistema capitalista e que o processo acadêmico é, por si só, improdutivo e necessita de tempo de reflexão.
A professora ainda afirmou a necessidade de propostas pensadas pela comunidade da USP de maneira democrática que, em sua visão, opõe-se à estrutura do novo modelo.
A vice-reitora da USP e professora do Departamento de Sociologia da FFLCH, Maria Arminda do Nascimento Arruda, traçou os aspectos históricos da pós-graduação da Faculdade. Para ela, que viveu a implementação do modelo atual de mestrado e doutorado, existe uma forte pressão de avaliação de desempenho. Essa configuração gera dificuldade para a FFLCH universalizar resultados de pesquisas, visto que, nas humanidades, há busca por construção de referências e não por projetos que atendam à teoria dominante.
Apesar das adversidades, as pesquisas de mestrado em humanidades possuem, de 2020 a 2024, um volume alto na USP, conforme os dados apresentados por Arminda. “Eu estou mostrando esses dados para nós termos uma ideia do universo da pós. Isso significa que a humanidades, hoje, é uma área com um grande volume de teses, cuja quantidade impacta diretamente os princípios da pós- graduação”, afirma a vice-reitora.

Marilena de Souza Chaui, professora do Departamento de Filosofia e Professora Emérita da FFLCH, enfatizou a necessidade atual de validação acadêmica associada à pós-graduação. Para a professora, há uma cultura na Universidade de medir as pessoas por suas realizações científicas.
Ela ainda afirmou que a formação acadêmica não pode ser confundida com um “adestramento voltado à qualificação para o mercado de trabalho”. Em sua visão, a pesquisa científica precisa atender a algumas exigências, como inovação, permanência e autonomia.
“O que se entende por docência e pesquisa na ‘Universidade Operacional Produtiva e Flexível’ é entendida como transmissão rápida de conhecimentos consignados em manuais de fácil leitura”, relata Chaui.
O professor do Departamento de Linguística, José Luiz Fiorin, frisou a importância do mestrado no processo de construção do pesquisador. Para ele, é durante o mestrado que o aluno de pós-graduação constrói sua autonomia, afastando-se da iniciação científica realizada na graduação.
Desse modo, para Fiorin, o novo modelo de pós-graduação proposto tem uma perda na formação acadêmica dos pesquisadores, visto que é possível avançar para o doutorado sem passar pelo mestrado completo.
Por fim, Fiorin problematiza as possíveis formas de pesquisas realizadas hoje na FFLCH: uma formação geral dentro da disciplina ou uma especialização em uma determinada área. “A preocupação dos cientistas com a especialização crescente deriva do fato de que, os especialistas que trabalham apenas no domínio restrito, fazem progredir a ciência somente no interior de um dado paradigma. No entanto, as grandes criações científicas não foram feitas por especialistas, mas por sábios que tinham uma formação abrangente, multidisciplinar, aberta a todos os campos do saber”, afirma o professor.

História da Pós na FFLCH
Os convidados do evento fizeram parte da história da pós-graduação da FFLCH. A partir de suas falas, é possível traçar uma trajetória do desenvolvimento do modelo de mestrado e de doutorado na Faculdade.
O professor Fiorin acredita que a pós-graduação na FFLCH, em seu início, não foi implementada de maneira a pensar em sua viabilidade prática, mas executada de forma autônoma por cada disciplina dos cursos oferecidos.
Maria Arminda relata que o Conselho Superior do Ministério da Educação (MEC), em 1965, por meio do Parecer Sucupira, criou as diretrizes para a pós-graduação no Brasil, que passou a ter vigência oficialmente em 1968. É válido ressaltar que esse parecer tinha ligação direta com a Ditadura Militar.
Durante os anos seguintes, foram feitos alguns planos nacionais de pós-graduação e, em 1976, a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) passou a avaliar os cursos de pós-graduação stricto sensu no país.
“No conjunto, a reforma da pós-graduação tornou-se prática difundida e parte da política do Estado, uma espécie de política pública para a universidade. O fato de ocorrer durante a ditadura não é casual, pois isso significava também o enquadramento da universidade e, portanto, era uma espécie de subsistema do sistema universitário vigente”, relata Arminda.
Em 1998, ocorre outra reforma da pós-graduação, a qual, em certa medida, a USP ainda segue. Nessa reformulação, de acordo com a vice-reitora, há uma integração de procedimentos da pós-graduação que, a partir de então, institucionaliza a avaliação de desempenho.
Com a avaliação de desempenho, a concessão de bolsas a alunos de pós-graduação passou a hierarquizar os cursos. Conforme explica Arminda, “a questão de fundo financeiro levava também a uma espécie de hierarquização e de legitimação dos programas. Isso criou uma hierarquia interna nas diferentes áreas".
