FFLCH realiza memorial em homenagem a Pablo Mariconda

Filósofo e professor de Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência era referência em sua área de atuação

Por
Rafael Dourador
Data de Publicação
Editoria

Memorial realizado no auditório 14 de Filosofia
Foto: Rafael Dourador / Serviço de Comunicação Social FFLCH USP

Na tarde de sexta-feira, 23 de maio, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP homenageou Pablo Rubén Mariconda, professor titular aposentado do Departamento de Filosofia (DF), que faleceu no último dia 15, aos 75 anos. No Auditório 14 do Prédio de Filosofia e Ciências Sociais, o professor Eduardo Brandão conduziu um memorial com amigos e familiares de Pablo, que compartilharam seus sentimentos, considerações e histórias sobre o filósofo.

Brandão recordou as vivências e ensinamentos de Mariconda. O atual chefe do Departamento de Filosofia foi aluno do filósofo na graduação e, posteriormente, reencontrou seu mestre na FFLCH, já como docente da Faculdade. “Ele foi um professor rigoroso, mas ao mesmo tempo extremamente preocupado com o nosso aprendizado. E, como colega de trabalho, sempre foi ativo, sempre produzindo, nunca omisso”, explicou. Além de contribuir com suas considerações, o professor leu emocionado textos de amigos do homenageado.

Professor Eduardo Brandão discursando sobre Pablo Mariconda
Pablo Mariconda foi o primeiro professor titular de teoria do conhecimento e filosofia da ciência no Departamento de Filosofia da USP (Foto: Rafael Dourador / Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)

Valter Alnis Bezerra, também docente do Departamento de Filosofia, discursou após Brandão. Ele preferiu destacar as contribuições de Mariconda nas ciências humanas. Entre elas, sua tradução dos Discursos e Demonstrações sobre Duas Novas Ciências, de Galileu Galilei, publicada no final dos anos 1980, pela editora Nova Stella. No site do Departamento de Filosofia, Bezerra conta que “a partida repentina de Pablo Rubén Mariconda deixa uma enorme lacuna na Filosofia brasileira e uma grande saudade em todos aqueles e aquelas que foram tocados/as por sua energia”.

Pedro Scuro Neto, amigo de infância de Mariconda, relatou vivências que tiveram quando crianças e prestou sua homenagem em texto escrito ao professor. “O fato de Pablo ter ido embora foi bem mais do que a perda de mais um acadêmico desta Universidade, foi uma lembrança simbólica do trânsito de toda uma geração de intelectuais que agiram em meio ao tumulto e barbárie daquilo que Eric Hobsbawm denominou ‘a era dos extremos’”, afirmou. Para ele, o legado do professor será eterno: “Pablo fez tanta coisa importante na vida das pessoas que ele vai viver pra sempre no coração de todos nós”, confortou-se.

Além deles, outros conhecidos que tiveram a vida acadêmica e pessoal marcadas por Mariconda também manifestaram sua gratidão ao docente e luto pela perda. Todos os discursos demonstraram uma grande empatia do renomado docente, que acolhia seus estudantes com carinho e paciência. 

Em texto publicado no portal Outras Palavras, Letícia Mariconda, filha de Pablo, apontou que “perdemos um gigante da Filosofia no Brasil” e que “sua trajetória reflete as possibilidades abertas pela São Paulo de seu tempo, inteiramente construída no interior do sistema público de ensino e pesquisa do país”.

Pedro Scuro, amigo de Pablo, discursando emocionado
Pedro Scuro está produzindo o artigo Bauman e o dilema de Hamlet, dedicado a Pablo Mariconda (Foto: Rafael Dourador / Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)


Trajetória de Pablo Rubén Mariconda 
Pablo Rubén Mariconda nasceu na Argentina, em 1949, e mudou-se para o Brasil aos cinco anos de idade. Aqui, conheceu Pedro Neto, que trouxe à tona outro lado do jovem Pablo no memorial de sexta-feira: praticante de atletismo com passagem nos clubes São Paulo e Pinheiros e aspirante a guerrilheiro na ditadura. Engajados pelo Movimento Estudantil contra o regime militar na década de 1960, Pedro afirma que ambos se preparavam para unir-se às guerrilhas, quando Letício, pai de Pablo, o impediu de alinhar-se à luta armada. Apesar dos desencontros, a amizade nunca terminou. “Tudo que podia ter nos separado foi superado pelos problemas ocorridos enquanto estivemos juntos, desde a infância e durante a adolescência”, completou.

Pablo dedicou-se à Filosofia e à ciência até o final de sua vida. Entrou na USP em 1968 como aluno de graduação de Filosofia. Quatro anos depois, assumiu o posto de professor em Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência, substituindo Hugh Lacey, o primeiro professor dessa área. Especializou-se em Teoria da Ciência em seu mestrado sobre a teoria do método na Lógica da Investigação Científica de Karl Popper e doutorado com foco em Pierre Duhem.

A partir daí, passou a orientar estudantes da pós-graduação e formou grandes referências acadêmicas, como Maria Cecília Leonel Gomes dos Reis, que conheceu Pablo em 1976 e foi sua orientanda de doutorado e pós-doutorado. “O Pablo me encorajou a enfrentar as dificuldades e a buscar uma formação interdisciplinar. Ele foi um grande amigo, que deixará uma saudade imensa”, contou durante o evento. Hoje, Maria é docente da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Em 2003, Pablo fundou a revista Scientiae Studia-Revista Latino-Americana de Filosofia e História da Ciência. Um ano depois, lançou a Associação Filosófica Scientiae Studia para dar apoio às atividades editoriais da revista e da Coleção de Estudos sobre a Ciência e a Tecnologia. Em 2005, tornou-se Professor Titular do Departamento de Filosofia, no qual teve a honra de ser chefe em três mandatos. Sua extensa produção acadêmica reúne dezenas de artigos, livros e ensaios. Além disso, Pablo orientou diferentes pós-graduandos e coordenou projetos de pesquisa na área da Filosofia.

Incansável e com uma fonte inesgotável de amor pelo ofício, Mariconda permaneceu como docente da FFLCH mesmo após sua aposentadoria. Lembrado pelo carinho com os alunos e rigorosidade técnica nos estudos, Pablo se consagrou como uma das maiores referências na área de Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência. Deixou três filhos, um neto e uma legião de amigos e aprendizes que tiveram a vida marcada pela companhia do grande mestre.

Maria Cecília discursando
Maria Cecília conheceu Pablo Mariconda durante a graduação em Filosofia, em 1976 (Foto: Rafael Dourador / Serviço de Comunicação Social FFLCH USP)