Em 2020, a Alameda Casa Editorial lançou o livro Mães infames, filhos venturosos: trabalho e pobreza, escravidão e emancipação no cotidiano de São Paulo (século XIX), de autoria da pesquisadora Marília Bueno de Araújo Ariza, mestre e doutora em História Social pela FFLCH.
O livro explora o contexto de pobreza e escravidão urbanas da São Paulo oitocentista do ponto de vista de mulheres negras e seus filhos trabalhadores e investiga experiências de maternidade e infância de sujeitos em busca de liberdade e autonomia, refletindo acerca de sua inserção no processo de degradação da escravidão nas décadas finais do Império.
Apoiando-se na análise de contratos de trabalho, artigos de jornal, textos legais e autos produzidos no âmbito do Juízo de Órfãos, entre outros, o livro se inicia com o exame de formas de organização familiar e práticas de maternidade experimentadas por mulheres sós, trabalhadoras empobrecidas e em grande parte libertas, cujos filhos eram forçadamente arregimentados para a prestação de serviços nas casas e comércios de moradores abastados e remediados da cidade. A justificativa para a interdição das relações entre mães e filhos por particulares e Estado residia na caracterização destas mulheres como incapazes de cuidar dos próprios rebentos, de oferecer-lhes apropriadas condições materiais e morais de vida conforme definidas por normas sociais emergentes que refletiam ideais aburguesados e racializados de maternidade. Nesses quadros, mulheres negras corporificavam representações da maternidade reprovável, destituída das virtudes associadas a mulheres brancas.
Ao mesmo tempo, o livro se lança à análise das condições de trabalho encontradas pelas crianças separadas de suas mães na cidade. Durante todo o século, estes pequenos trabalhadores foram informalmente empregados em misteres urbanos variados. Contudo, com a aproximação e os desdobramentos da abolição, novos mecanismos de controle do mundo do trabalho que aplacassem crescentes insubordinações eram elaborados, fazendo com que os arranjos de serviços envolvendo estas crianças fossem compulsoriamente estabelecidos e judicialmente formalizados. Entre a formalidade e a informalidade do trabalho, as experiências de exploração e violência se repetiam; a elas, crianças trabalhadoras regiam procurando reencontrar suas famílias e constituir-se melhores condições de vida. Ao mesmo tempo em que fala sobre a especificidade das experiências de crianças e suas mães, o livro procura inseri-los no contexto ampliado de formulação de protocolos de trabalho livre, forjados ao longo do século XIX, que, mesmo na ressaca da abolição, espelhavam formas de exploração, dominação e resistência herdadas da escravidão.
O livro é desdobramento de tese de doutorado realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação de História Social da USP com financiamento Fapesp, contemplada com o Prêmio História Social de Melhor Tese 2017-2018 conferido pelo PPGHS – USP em parceria com a Capes. Recebeu também Menção Honrosa do Prêmio Sérgio Buarque de Holanda de Melhor Livro em Ciências Sociais (2020) da LASA (Latin American Studies Association). Marília também é autora de O ofício da liberdade: trabalhadores libertandos em São Paulo e Campinas (1830-1888), publicado em 2014.
A obra pode ser adquirida no site da Alameda Casa Editorial.