Diferentes etapas da crítica são abordadas em nova edição da revista Criação & Crítica

Nesse dossiê, autores de diversos lugares do Brasil dialogam com as críticas de diferentes obras literárias ao redor do mundo

Por
Nilda Pais
Data de Publicação
Editoria

Foi lançada, em 11 de novembro de 2022, a 33ª edição da revista Criação & Crítica, disponível no link:
https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/%C2%A0
 
Editorial

Crítica da Crítica

O título deste dossiê é um círculo, já que ele começa da mesma forma que termina ou um palíndromo, ou seja, ele pode ser lido da mesma forma de trás para frente ou de frente para trás. O círculo e o palíndromo são também parte da cadeia, aquela que se inicia com a obra literária e que continua com a sua primeira crítica e depois com a sua segunda crítica, que é crítica da obra e crítica da crítica, depois com sua terceira, que é crítica da obra, crítica da crítica e crítica da crítica da crítica e assim por diante. Aqui neste dossiê, veremos as diferentes etapas dessa cadeia.

Começamos pela crítica da crítica da crítica. Há dois anos nossa revista acolheu um dossiê sobre crítica literária, mais especificamente sobre a obra de Antonio Candido. Com o título de Estranhando a teoria empenhada de Antonio Candido, o número 26 foi editado por Anita Martins Rodrigues de Moraes (UFF), Lúcia Ricotta Vilela Pinto (Unirio), Marcelo Moreschi (Unifesp) e Marcos Natali (USP). Também outras revistas se dedicaram ao debate sobre Antonio Candido em homenagem ao importante papel do crítico em nosso campo literário.  Nosso primeiro artigo neste número retoma um debate proposto pela revista Cerrados.

Mostrando que alguém lê os editoriais de periódicos acadêmicos, Fabio Pomponio Saldanha (USP), em “Quem ou o que é criticado: prolegômenos da crítica da crítica”, parte da crítica ao artigo de Anita de Moraes presente na apresentação da revista Cerrados para pensar certa impossibilidade de elaboração de um debate avaliativo em torno do nome de Candido, revelando uma resistência e um desejo de neutralização.

Depois damos um passo atrás e entramos na crítica da crítica. Nome que cria uma linhagem totalmente diferente de críticos, Benedito Nunes, é outro crítico literário brasileiro focalizado neste dossiê. Em “A interpretação literária como ficção: a tensão dialética entre obras (o caso de Benedito Nunes)”, de Adonai da Silva de Medeiros (UFPA) e Antônio Máximo von Söhsten Gomes Ferraz (UFPA), estudam a leitura de Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, feita por Benedito Nunes, para refletir sobre a interpenetração operada entre interpretação e ficção literárias, pois em comum entre as duas práticas de escrita produzem-se imagens-questões de pensamentos que operam o poético.

O terceiro artigo de nosso dossiê “A poética do convívio nos escritos sobre poesia de Natalia Ginzburg”, de Iara Machado Pinheiro (USP), aborda os ensaios da poeta italiana acerca de literatura e cinema. A autora percebe como a crítica desenvolvida por Natalia Ginzburg centra-se nos modos como a arte representa poeticamente a realidade a partir de concepções sobre a A conduta humana, ou seja, sua perspectiva torna equivalente os planos morais e estéticos. Assim, no limite, para a poeta, obras feitas só com a preocupação estética falham pois comprometem o convívio ao não ver o próximo como um semelhante, visão que impacta na forma como constrói seu olhar como crítica.

No artigo “A conquista do amor-próprio: uma análise em fragmento de um discurso amoroso, o de Niketsche:  uma história da poligamia, Paulina Chiziane”, Silvana Silva (UFRGS), explora conceitos barthesianos em torno das figuras de linguagem, sobretudo no seminário sobre discurso amoroso. A autora discute também a relação entre o discurso amoroso e o discurso de poder  no romance Niketsche:  uma  história  da  poligamia, de Paulina Chiziane, a partir de uma leitura de figuras-fragmento.

De Barthes e de seu discurso amoroso passamos a um universo radicalmente diferente, o da crítica no classicismo. Em “O classicismo na história da crítica: teoria e prática”, Nabil Araújo (UERJ) e Thiago Santana (Universidade de Minnesota) tentam entender quais são os lugares comuns e os deslocamentos em relação ao discurso crítico da antiguidade. Já em universo não muito distante, o artigo seguinte discute um gênero retomado no classicismo, a epopeia. No entanto, o propósito do artigo de Maeva Boris (Université de Paris 3, Sorbonne Nouvelle), “O que é uma epopeia nacional?” não se centra nas epopeias em si, mas na sua crítica, que construiu uma associação nem sempre evidente entre o gênero e o nacionalismo.

Voltando ao Brasil, mas ainda na discussão sobre o nacionalismo, o artigo “Três momentos de Mário de Andrade na crítica de Salim Miguel” de Natan Schmitz Kramer e Alexandre Fernandez Vaz (UFSC), mostra como os integrantes do grupo Sul, de Florianópolis, viam a obra de Mário como referência, em três momentos diferente do século 20. Da importância de um autor, passamos para a importância da função autor. O artigo “Decifra-me ou te revelo”, de Helton Rubiano de Macedo procura as pontes em comum entre as reflexões de Michel Foucault e de Roger Chartier sobre o autor.

No nosso último artigo, voltamos ao início, à crítica da obra, ou mais ao início ainda, a crítica do manuscrito. Em “A linguagem e o estilo de Orion: Análise genética de alguns ditados de angústia do livro L’enfant bleu, de Henry Bauchau”, Caio Leal Messias (USP) mergulha nos manuscritos do escritor e psicanalista belga para ver como ele se afasta dos escritos de seu paciente Lionel para a composição de sua personagem. Porém, tanto a crítica do manuscrito quanto a crítica da obra dialogam também com outras críticas e não se furtam a também entrar no movimento da crítica da crítica.  Assim, todos os textos se encontram nessa rede de círculos, palíndromos e cadeias críticas.

Editoras

Claudia Amigo Pino (USP)

Mônica Gama (UFOP)
 
A revista

A revista Criação & Crítica parte de uma provocação: pensar uma crítica cujo foco não seja a interpretação literária.

Sem perder de vista o prazer de leitura, nosso objetivo é dar espaço a análises que reflitam sobre a literatura dentro do seu contexto de produção, recepção e circulação. Temos especial afinidade com as teorias pós-estruturalistas francesas, que discutem as práticas de escrita e o campos de edição e circulação dos textos literários. Porém não nos limitamos à França: também dialogamos com teóricos de outros horizontes, que se preocupam especialmente com a recepção do texto literário, como a Escola de Constança e os estudos de gênero.

Mas o nosso interesse pela criação e recepção de textos não se limita apenas a um diálogo teórico: queremos também convidar a comunidade acadêmica a refletir sobre como a criação nos lê e nos muda, ou em outras palavras, sobre a nossa escritura.

Escritura: não existe uma forma apropriada de defini-la. Com ela, marcamos uma certa filiação com as propostas, entre tantos outras, de Roland Barthes, Jacques Derrida e Henri Meschonnic. Aqui inserimos uma não-definição deste último: pensar a escritura é “pensar contra”. Pensar contra quem? Contra o próprio leitor: pensar a escritura é para Meschonnic pensar como o poema se escreve no leitor, ou seja, como ele o muda em relação ao que pensava antes. Essa transformação é do leitor, é do escritor que se escreve e se lê e do crítico, que não é mais do que aquele que pensa sobre a sua leitura e, em alguns casos, também sobre a leitura do escritor. Nossas pesquisas, nossos debates, nossos problemas estão aí: nessa fronteira móvel e tensa entre leitura e escritura.

A nossa revista compõe-se de várias seções. “Artigos” perfaz a parte central da revista e, juntamente com as partes “Traduções” e “Resenhas”, busca difundir ideias que sempre “pensem contra”: no cenário internacional, mas especialmente dentro do contexto crítico brasileiro.E a seção "Exercícios de estilo" é destinada a textos que tensionem a forma da crítica literária, propondo diálogos com a ficção, a poesia ou outras linguagens.

Com informações do site da revista