Queda do Muro de Berlim

O Muro de Berlim dividia a Alemanha Ocidental capitalista e a Alemanha Oriental socialista; sua queda foi um dos grandes acontecimentos do século 20

Por
Gabriela Ferrari Toquetti
Data de Publicação

“A consequência mais importante para a Alemanha e para Europa foi a unificação e o final do status quo desde o final da Segunda Guerra”, de acordo com Helmut Galle. [Arte: Gabriela Ferrari Toquetti]

No dia 9 de novembro de 1989, um dos eventos mais emblemáticos do século 20 acontecia na Alemanha com a queda do Muro de Berlim. Construído em 1961, o muro dividia a República Federal da Alemanha (RFA), ou Alemanha Ocidental, da República Democrática Alemã (RDA), ou Alemanha Oriental. Não era apenas uma parede de concreto, como também uma separação simbólica da Guerra Fria entre o capitalismo do ocidente e o socialismo do oriente.

Com o auxílio de cercas e outros equipamentos, o muro fechava a fronteira entre as duas Alemanhas e impedia a livre circulação dos cidadãos. Depois de quase 30 anos dessa divisão, vários habitantes da RDA começaram a sair do país, fugindo pela Hungria e pela antiga Tchecoslováquia, cujas fronteiras haviam sido abertas. Revoltada com o governo autoritário da RDA, a população demandava o direito de circular livremente.

Com a pressão popular, o Estado precisou ceder. Helmut Galle, professor associado da Universidade de São Paulo, explica que os governantes “prepararam uma espécie de lei para viagens livres. Quando essa lei foi apresentada à imprensa à noite, um funcionário, provavelmente em um lapso, disse que ela entraria em vigor imediatamente. As massas começaram a se mover em direção aos pontos de controle na fronteira para a RFA, principalmente em Berlim. Os guardas da fronteira, que não sabiam como agir, abriram as portas e já nos próximos dias as pessoas começaram a derrubar o muro com seus martelos”.

Com isso, iniciou-se a unificação da Alemanha, mas, de acordo com Galle, a população alemã é dividida até hoje em alguns aspectos. Confira abaixo a entrevista completa com o professor:

Serviço de Comunicação Social: O que era o Muro de Berlim e por que ele existia?

Helmut Paul Erich Galle: O chamado Muro de Berlim era parte de um sistema de fronteira fechada e guardada com cercas, muros e outros equipamentos para impedir que a população da RDA fugisse do seu próprio estado para a Alemanha Ocidental ou do setor oriental de Berlim para os setores ocidentais. Berlim Ocidental, na realidade, era uma enclave na RDA com rodovias para a RFA, controladas pela RDA. O único acesso não controlado para Berlim Ocidental era via aérea, pelas agências dos aliados, não pela Lufthansa.

O muro foi criado em 9 de agosto de 1961, em primeiro lugar para evitar que cada vez mais pessoas fugissem para o oeste. Do final da guerra até 1961, fugiram milhões de pessoas, sobretudo nos últimos anos antes do muro e sobretudo pessoas com boa formação.

Eu nasci em 1954 na RDA. Meus pais eram professores de escola. Meu pai inicialmente era membro do partido socialista e professor de russo. Depois da rebelião popular em 1953, sufocada com tanques russos, ele saiu do partido, algo não previsto e formalmente impossível. Ele sofreu sanções pelo estado e, desde então, meus pais queriam fugir. Infelizmente, meu pai morreu em 1960 em consequência indireta das sanções e minha mãe preparou a fuga comigo e com minha irmã, que já tinha 16 anos de idade. Fugimos pelo trem urbano de Berlim (S-Bahn), que foi controlado aleatoriamente, mas circulava entre os setores com milhares de pessoas a cada hora. Sem bagagem, não aconteceu nada e um mês depois fomos levados de avião para a RFA, onde eu cresci. Em agosto, durante uma visita a uma tia, ouvimos no rádio que a fronteira estava sendo fechada e festejamos que conseguimos sair antes.

Na propaganda da RDA, o muro foi chamado de "proteção antifascista", como se fosse uma defesa contra um ataque do oeste. Mas todos os equipamentos se dirigiram para o interior da RDA, contra a própria população.

Serviço de Comunicação Social: Por que o muro foi derrubado?

Helmut Paul Erich Galle: Esse processo complexo começou com problemas internos e externos da União Soviética, que resultaram na decisão de tentar uma nova política, a qual ficou nas mãos de Gorbatchev, conhecida como Perestroika e Glasnost. Fora da URSS, a maioria dos estados do Bloco de Varsóvia entenderam esses sinais e iniciaram também uma política de reforma, que os aproximou do oeste. Para a RDA, isso era impossível, e o partido, liderado por funcionários muito envelhecidos, achava que era possível manter-se no poder. No entanto, durante o ano de 1989, muitos cidadãos da RDA tentaram fugir pela Hungria e pela República Tchecoslovaca, que já não protegiam suas fronteiras para o oeste. Ao mesmo tempo, houve uma insatisfação crescente da população pela atitude autoritária e contumaz do seu governo, que se ventilou em manifestações cada vez maiores, sobretudo a cada segunda-feira em Leipzig. Aos poucos, o governo entendeu que não era mais possível manter a pressão sem violência brutal (como na Praça da Paz eterna em Pequim), particularmente porque o governo russo não apoiaria mais a atitude rígida do governo. Assim, instalou-se um governo que deveria pensar em formas alternativas, mas que agiu de maneira bastante desajeitada e sem rumo concreto. Como a demanda maior da população era a livre circulação pelas fronteiras, eles prepararam uma espécie de lei para viagens livres. Quando essa lei foi apresentada à imprensa à noite, um funcionário, provavelmente em um lapso, disse que ela entraria em vigor imediatamente. As massas começaram a se mover em direção aos pontos de controle na fronteira para a RFA, principalmente em Berlim. Os guardas da fronteira, que não sabiam como agir, abriram as portas e já nos próximos dias as pessoas começaram a derrubar o muro com seus martelos.

Serviço de Comunicação Social: Quais foram as repercussões desse evento para a Alemanha, para a Europa e para o mundo (inclusive atualmente)?

Helmut Paul Erich Galle: A consequência mais importante para a Alemanha e para Europa foi a unificação e o final do status quo desde o final da Segunda Guerra. Os soldados russos se retiraram de todos os estados do bloco de Varsóvia e, com a opção desses estados de implementar sistemas democráticos, as organizações anteriormente ocidentais (União Europeia e OTAN) ampliaram-se em direção ao leste. Inicialmente, isso não significava uma ameaça para a URSS, porque tudo indicava que o mundo após a Guerra Fria seria livre, pacífico e sem confrontações. Sabemos que a Rússia tomou um rumo diferente.

Além disso, os estados antigamente socialistas passaram por histórias não esperadas, em vários casos adotando políticas que se pode considerar autoritárias e de direita. A população alemã continua relativamente dividida em vários aspectos. Muitas pessoas no leste alemão idealizam o tempo antes da queda do muro - na minha opinião, sem fundamento. Nessa região, a situação econômica, social e cultural é, em alguns aspectos, melhor do que na parte ocidental, o que é resultado de imensos investimentos na infraestrutura feitos pelo Estado. Quem visitou Berlim Oriental antes de 1989 e 20 anos depois praticamente não reconhece os mesmos lugares.

Evidentemente, a queda do muro teve e tem consequências extremamente mais complexas que não cabem num depoimento como este e que tampouco estão ao meu alcance. Interessante é que a queda do muro era, por um lado, algo perfeitamente dependente de muitos outros fatores e processos, mas, por outro lado, era um acontecimento singular que não era simplesmente algo simbólico para um desenvolvimento maior, mas que teve, por si só, consequências enormes e mais abrangentes do que a maioria dos acontecimentos singulares.

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Helmut Paul Erich Galle possui graduação em Literatura Alemã - Freie Universität Berlin (1985), mestrado em Literatura Alemã - Freie Universität Berlin (1985) e doutorado em Literatura Alemã (Neuere Deutsche Literatur) - Freie Universität Berlin (1988). Defendeu a tese de Livre Docência na USP em 2011. Atualmente é Professor Titular MS-6 da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literaturas Estrangeiras Modernas, particularmente Literatura em língua alemã, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura contemporânea, época de Goethe, autobiografia, ficcionalidade, narratologia, literatura do holocausto, memória cultural, testemunho, poesia lírica e versificação.