Manifestação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo
Em prol da paz e do fim do massacre em curso na Faixa de Gaza
Independentemente das causas remotas (a ocupação dos territórios palestinos à revelia das resoluções 242 e 338 do CS/ONU) e causas recentes (o condenável ataque do grupo palestino Hamas a soldados e civis em Israel), é injustificável – sob qualquer ponto de vista do Direito e dos valores humanos – o massacre que Israel vêm perpetrando aos palestinos desde o dia 8 de outubro de 2023.
Sob o pretexto de exterminar o Hamas como meio de autodefesa, em quatro meses de guerra, as Forças Armadas de Israel já assassinaram mais de 27.500 mil palestinos, a maior parte deles crianças e mulheres, deixando 68 mil feridos e mais de 7 mil ainda desaparecidos sob os escombros, na data em que se escreve esse texto.
Desde então, Israel tem bombardeado hospitais e aprisionado médicos e enfermeiros, impedindo deliberadamente o cuidado para com amputados e doentes; dos 36 hospitais antes existentes em Gaza, apenas quatro funcionam, muito parcialmente. O exército israelense também tem mirado jornalistas que divulgam essa tragédia, com o que 117 jornalistas já perderam a vida em missão na Cisjordânia e em Gaza. Cerca de 80% das residências da Faixa foram destruídas e mais de 2 milhões de palestinos estão hoje ao desabrigo, sem água, comida, ou medicamentos, ameaçados de morte por inanição.
Apesar disso, com a aquiescência dos Estados Unidos e governos europeus, o Estado de Israel tem impedido a entrada de ajuda humanitária para os palestinos, surdo aos protestos de diversos organismos internacionais, como a ONU, a Unesco, a Unicef e a OMS. São esses organismos, ainda, que denunciam como crimes de guerra o ataque indiscriminado de Israel a escolas, universidades, igrejas, mesquitas e abrigos para refugiados, bem como a destruição dos lugares de memória e identidade do povo palestino, como a Igreja Grega Ortodoxa de São Porfirio (séc. V); o balneário otomano Hamam al-Samra (séc. XVI); a mesquita de Al-Sayid Hashim e a Grande Mesquita Omari – erguida sobre um antigo templo filisteu da idade de ferro, anterior à própria Bíblia.
Estas são as razões pelas quais a África do Sul, apoiada por cerca de mil organizações mundiais, incluindo o governo brasileiro, apresentou em 29 de dezembro de 2023 ao Tribunal Internacional de Justiça (órgão judicial da ONU), uma acusação de genocídio por parte de Israel contra o povo palestino, a qual, embora aceita pelo Tribunal, em nada alterou a violência contra Gaza. A acusação considera que os atos supracitados “têm a intenção de provocar a destruição de uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestino”.
Detentores de uma tradição de defesa dos direitos humanos, da paz e do respeito às diversas religiões, gêneros, etnias e nacionalidades, nós, docentes e discentes da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, vimos nos unir às vozes de todos aqueles dos mais diversos países que vêm se indignando contra essa que é uma tragédia humanitária sem par.
Sabemos que a mobilização da sociedade civil é essencial para interromper abusos de violência contra populações vulneráveis. Por isso, no que concerne à nossa atuação acadêmica, não aceitamos nos manter indiferentes a essa situação e solicitamos à Reitoria que reveja sua incompreensível posição de negar o pedido de instalação de um Palestine Corner para representar o Estado Palestino na Universidade de São Paulo. Parece-nos incompreensível, uma vez que a Palestina é um Estado reconhecido pelo governo brasileiro, do mesmo modo que o Estado de Israel, ao qual foi concedido um Israel Corner na nossa Universidade. Se se nega a autorização de funcionamento de um Palestine Corner, que se suspenda, por paridade, a instalação do Israel Corner. É o mínimo de justiça que podemos solicitar, em meio a uma tão injusta guerra.
São Paulo, 04 de fevereiro de 2024.
Texto aprovado pela Congregação da FFLCH na reunião de 22 de fevereiro de 2024