Privatizações, luta contra a inflação, escândalos de corrupção e um governo considerado ingovernável na época, um resumo da presidência de Collor
No dia 29 de dezembro de 1992, começou o julgamento do presidente Fernando Collor no Senado Federal, porém, no mesmo dia e para evitar o processo de impeachment, Collor renunciou ao seu cargo. Seu governo não possuía muitos aliados, o ex-presidente administrou o país com apenas 25% de apoio no Congresso. Porém, seu mandato considerado ingovernável tornou-se possível, pois a partir da constituição de 1988, o então presidente da república pôde optar por adotar medidas provisórias com força de lei, que tinham efeitos imediatos.
Em entrevista à Agência USP sobre pesquisa feita na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, o cientista político Guilherme Stolle Paixão e Casarões afirmou: “Caso a lei previsse um presidente sem poderes, provavelmente Collor teria rumado por um caminho de alianças. Com mais poderes, ele pode optar pelo confronto direto com a oposição”.
O governo do primeiro presidente a sofrer um processo de impeachment foi marcado por uma constante luta contra a inflação de 2000% ao ano na época. Como solução para reverter esse impasse, Color implantou a medida provisória (MP) 168, em que o governo se apropria de 80% de todos os ativos financeiros. A medida atingiu, principalmente, as classes mais altas do país e foi acompanhada pelo congelamento de preços, redução de tarifas de importação e privatizações, como ocorreu com a siderúrgica estatal Usiminas, que foi entregue ao Grupo Gerdau. Entretanto, nenhuma das providências tomadas por Collor resultou em uma diminuição da inflação.
Além destes fatores, Pedro Collor, irmão do ex-presidente, relatou esquemas de corrupção do governo que envolviam Paulo César Siqueira Cavalcante Farias, o PC Farias, tesoureiro da campanha de Collor. A partir desse momento, o primeiro presidente eleito de forma direta depois da ditadura perdeu a popularidade e foi alvo de manifestações populares pedindo seu impeachment. Os protestos foram organizados por movimentos estudantis, cujos adeptos se autointitulavam caras-pintadas. Devido aos escândalos de corrupção e sua ineficácia no combate à inflação utilizando medidas extremamente neoliberais, Collor perdeu o apoio da mídia, do povo e do Congresso.
Confira as entrevistas com Lincoln Secco, professor do Departamento de História da FFLCH e Guilherme Stolle Paixão e Casarões, Doutor e mestre em Ciência Política pela USP e especialista em História e Culturas Políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais:
Serviço de Comunicação Social: Quais foram as políticas feitas por Collor em seu mandato?
Lincoln Secco: Collor impôs o rebaixamento de tarifas de importação supostamente para estimular a concorrência na indústria nacional, mas na verdade promoveu a desindustrialização em consonância com o consenso de Washington. A tarifa média de importação já vinha caindo na década de 80, Collor reduziu mais e eliminou barreiras não-tarifárias. Só não fez grandes privatizações porque não teve tempo, mesmo assim ele entregou a Usiminas para o Grupo Gerdau.
Seu plano de combate à inflação, baseado no confisco da poupança, falhou. Por fim, perdeu rapidamente apoio popular e do congresso, o que viabilizou seu impeachment.
Serviço de Comunicação Social: Quem foi PC Farias?
Lincoln Secco: Paulo César Farias foi tesoureiro da campanha de Collor e foi testa de ferro de Collor num esquema de propinas pagas por empresários. Morreu em circunstâncias estranhas.
Serviço de Comunicação Social: Quem eram os caras-pintadas?
Lincoln Secco: Foi um termo usado para descrever os jovens manifestantes que pediam o impeachment de Collor em grandes manifestações. A União Nacional dos Estudantes teve uma participação importante.
Serviço de Comunicação Social: Como os três elementos acima favoreceram a retirada de Collor do poder?
Lincoln Secco: Collor caiu porque perdeu apoio em três setores: no eleitorado; no Congresso; e na sociedade civil organizada. Sindicatos, partidos, associações empresariais e a mídia abandonaram o governo. Esta perda de apoio deveu-se não só aos escândalos de corrupção, mas à radicalidade de uma política neoliberal que não oferecia nenhuma compensação. O neoliberalismo só teve sucesso com Fernando Henrique Cardoso porque ele combinou o ataque ao Estado com a estabilidade monetária e a queda da inflação
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Lincoln Ferreira Secco é mestre e doutor em História Econômica e professor livre-docente da USP na área de História Contemporânea. Autor dos livros História do PT, 2023 e Gramsci e a Revolução, 2006
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ESTUDO MOSTRA COMO COLLOR CONDUZIU O PAÍS COM MINORIA NO CONGRESSO
Embora seja marcado por escândalos de corrupção e pelo impeachment, o governo Collor (de março de 1990 a outubro de 1992) funcionou bem durante os primeiros meses. Esse foi o tema de pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP realizada pelo cientista político Guilherme Stolle Paixão e Casarões. O estudo mostrou como o então presidente Fernando Collor conseguiu governar o Brasil com apenas 25% de apoio no Congresso. A pesquisa revelou também a eficácia de algumas medidas, como o polêmico Plano Collor e a opção por um governo minoritário sem grandes alianças políticas.
A proposta do estudo foi identificar a viabilidade de governos minoritários no Brasil a partir do estudo do governo Collor. Casarões conta que consultou basicamente jornais, revistas, análises de professores que acompanhavam o governo e entrevistas publicadas com os envolvidos. A fonte mais relevante foi o Diário do Congresso Nacional, que continha as votações e os discursos dos parlamentares.
O pesquisador diz que, no calor do momento, a literatura da época considerava o Brasil ingovernável. O estudo atual mostra o contrário: “O Brasil do Collor foi governável. A alternativa minoritária era racional dentro da proposta inicial do presidente, principalmente na aprovação do Plano Collor”, explica, “o problema do governo foi mais a corrupção e não um problema institucional”.
Segundo o pesquisador, quatro fatores principais determinaram a composição minoritária do governo. O primeiro foi a mudança da estrutura partidária no Brasil. Com a criação de dezenas de novos partidos, as grandes legendas, principalmente o PMDB, se enfraqueceram. Outro fator foi a crise hiper-inflacionária que o Brasil enfrentou na passagem de 1989 para 1990: o país teve uma inflação em torno de 2000% no ano, ou seja, cerca de 160% ao mês.
O terceiro ponto é o aumento do poder presidencial a partir da Constituição de 1988. O presidente passa a ter iniciativa exclusiva sobre vários itens, como as medidas provisórias (MP), orçamento e alguns temas legislativos. Segundo Casarões, caso a lei previsse um presidente sem poderes, provavelmente Collor teria rumado por um caminho de alianças. Com mais poderes, ele pode optar pelo confronto direto com a oposição.
Por último, as chamadas “eleições solteiras” que, por conta da nova constituição, o presidente foi eleito em 1989 e os congressistas em outubro de 1990. Collor começa a governar em março de 1990 com os congressistas eleitos em 1986. Com o curto período de contato, o presidente viu que poderia bater de frente com os atuais congressistas, já visando as eleições de outubro. Se ele conseguisse manter sua popularidade, provavelmente elegeria seus aliados para o Congresso.
Plano Collor
Casarões lembra que Collor lançou 22 MPs assim que tomou posse. “Isso foi uma aberração constitucional, mesmo não sendo ilegal”. A estratégia do presidente estava no fato das MPs valerem imediatamente a partir de sua publicação. “Usualmente, o Congresso precisa aprová-las ou não em 30 dias, mas os parlamentares têm que pensar duas vezes se valerá a pena bloquear a medida, porque os efeitos da retirada podem ser maiores que os da implantação”, analisa.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com MP 168, que sequestrava a poupança e contas-correntes, limitando o saque em 50 mil cruzados (cerca de 1.500 dólares). Se um mês depois, o Congresso vetasse a medida, todas as poupanças sequestradas voltariam a existir, gerando um caos na economia brasileira muito maior que o sequestro em si.
Dessa forma, mesmo com um governo minoritário, Collor consegue negociar com a bancada do PMDB, o maior partido da época. A estratégia funciona: o PMDB é induzido a votar junto com o presidente em vários pontos, mesmo sem um apoio nominal. “Isso é o interessante, se o Collor é um amador, como diziam na época, como ele conseguiu esse começo bem sucedido? A resposta é que, naquele caso específico, o governo minoritário foi viável e necessário” explica o pesquisador.
Vários economistas da época e mesmo hoje, revisitando tudo que aconteceu, constatam que, tecnicamente, o Plano Collor é impecável. Segundo a teoria econômica, o Plano era a solução mais óbvia para acabar com a inflação. “Era um plano super-ortodoxo, a equipe econômica do Collor foi aplaudida até por opositores, como o Aloísio Mercadante” conclui o pesquisador.