Autora paraense escreveu mais de 20 livros, destacando-se por sua poesia intensa, e ganhou mais de 40 prêmios literários, incluindo o Prêmio Jabuti
Olga Savary, autora reconhecida por sua contribuição à literatura erótica feminina e por suas traduções de renomados autores hispano-americanos, nasceu no dia 21 de maio de 1933.
A autora teve papel importante na introdução da temática erótica na literatura brasileira e conquistou diversos prêmios literários, incluindo o Prêmio Jabuti. De acordo com Cecília Furquim, doutora em Literatura Brasileira pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP: “Olga foi uma poeta, contista, romancista, jornalista, crítica e tradutora de grande relevância para a literatura em geral, especialmente a poesia, e para a afirmação da mulher e da herança cultural indígena, na época não tão reivindicadas como são hoje”.
Confira a entrevista completa com Cecília Furquim concedida ao Serviço de Comunicação Social da FFLCH:
Serviço de Comunicação Social: Você poderia comentar brevemente sobre a vida de Olga Savary, para os leitores que ainda não a conhecem?
Cecília Furquim: Olga Savary nasceu em Belém do Pará, em 1933, filha de pai russo e mãe paraense. De lá, foi morar em Fortaleza e depois no Rio de Janeiro, voltando por um tempo para a cidade natal.
Deixou uma produção poética extensa, tanto com criação autoral, como com tradução, pesquisa e divulgação de outros autores. Entre as mais de cinquenta obras traduzidas, especialmente de literatura hispano-americana, está O arco e a lira, de Otávio Paz, um relevante ensaio que conquistou gerações de leitores. Conhecido, nas palavras de Olga, como a bíblia dos poetas.
Savary lançou inúmeras antologias e por volta de vinte livros de literatura autoral, incluindo poemas eróticos, especialmente no livro Magma (1982), composto exclusivamente por essa vertente pouco explorada por mulheres no Brasil até então. Seus livros foram diversas vezes premiados e influenciaram a produção do momento e posterior.
Em uma entrevista concedida ao jornalista Luiz Lobo, em 2013, ela comenta três qualidades que considerava fundamentais na vida: o senso poético, o senso de erotismo e o senso de humor. Preenchendo os três requisitos plenamente, esbanjando beleza, ela estava sempre alegre, a olhar para o mundo aliando profundidade e leveza e sem desviar da sua materialidade corporal.
Olga foi casada com o cartunista Jaguar (Sérgio de M. G. Jaguaribe) por aproximadamente 25 anos e, juntos, foram também fundadores do periódico Pasquim, de questionamento cultural e da ditadura militar, usando crítica mordaz e muito humor. Lá, ela trabalhou ativamente como colaboradora, entrevistadora e tradutora, embora seja pouco reconhecida sua participação, entre 1969 até 1982, nesse grupo de homens famosos como Tarso de Castro, Millôr, Paulo Francis, Ziraldo e outros.
Serviço de Comunicação Social: Quais elementos caracterizam sua escrita?
Cecília Furquim: A poeta considera que a boa poesia sempre deve causar espanto, susto. Discordando de Jorge Amado que comentou sua escrita como a de um homem, ela se vê como alguém que escreve como uma mulher. Mas uma mulher muito aguda, forte, com uma poesia por vezes insolente, ousada, selvagem.
“Não se sai impune do fato de ter nascido na Amazônia. É como se fossemos marcados a ferro e fogo”, diz ela à revista Papangu. Para Laisa Kaos, outra poeta paraense, Olga afirmou que os rios que banham Belém foram suas primeiras inspirações na adolescência. A ancestralidade e ligação sagrada com a terra de suas raízes, incluem também Monte Alegre, à beira do Amazonas, o Ceará, Natal, Recife.
Ela frequentemente retratava essas paisagens naturais como algo que a povoa por dentro (“reinventas com teu corpo, / na cidade, a floresta”) e falava com orgulho da bisavó indígena, recriando poeticamente essa herança de mais de cem mil anos trazendo à obra palavras em Tupi, como Pituna–Ara, Xe Maenduara, Nheengare–i, Ycatu. Drummond chamava sua poesia de ecológica e o filólogo Antonio Houaiss aconselhava Olga a tomar cuidado para não morrer afogada, tanta era a água que percorria seus poemas, água como origem, ebulição, caminho, redemoinho e pausa, na “esterilidade muda das poças d’água”.
O vigor presente em sua poética volta-se insistentemente para o corpo e as sensações. Numa entrevista, Valdomiro Santana oferece a Olga uma frase de Paul Valéry que a encantou, como sendo representativa da sua poesia: “O mais profundo é a pele”. Olga investiu na concisão, escrevendo poemas breves: “Prefiro pecar pelo menos do que pelo mais”. Isso ficou mais evidente do seu segundo livro em diante.
No primeiro, Espelho Provisório (1970), a temática da solidão e do silêncio atravessam os poemas do início ao fim, perscrutando a atitude poética em face ao mundo. A atitude filosófica também é outro aspecto que, a partir daí, seria constantemente mesclada à exploração telúrica e orgânica da existência: a poesia olha, percebe, tensiona, e, além de sentir, pensa. Nesse ponto certamente foi influenciada por Carlos Drummond de Andrade, com quem ela interagia sobre poesia e tinha uma admiração e ternura sempre presentes em suas manifestações.
Serviço de Comunicação Social: Qual a importância de Olga ser a primeira mulher a lançar um livro todo composto por poemas eróticos no Brasil?
Cecília Furquim: Poeta com considerável visibilidade, já causando escândalo na estreia em 1907, Gilka Machado produziu uma obra com significativa e reconhecida punção erótica ao longo da primeira metade do século 20. Mesmo tomando-se o contexto de considerar um livro erótico do início ao fim, a afirmação de que Olga seria a primeira não procede, já que 54 anos antes de Magma, em 1928, a própria Gilka trouxe Meu glorioso pecado, com uma estrutura toda alinhavada pelo desejo erótico, tanto em amores casuais, como no “grande amor”.
De qualquer forma, esse não pioneirismo não diminui o impacto e importância do aparecimento de Magma. Juntamente com a antologia erótica feita pela mesma Savary, Carne Viva, lançada dois anos depois, e outras escritas dessa natureza por mulheres (como Adélia Prado; Yêda Schmaltz; Myriam Fraga; Hilda Hilst; Alice Ruiz; Marly de Oliveira), a circulação dessa escolha poética constituiria um movimento revolucionário de contracultura e resistência ao governo militar ditatorial e suas heranças, sustentado na imposição ultradireitista de convencionalismos e condutas moralizadas. A poeta paraense não defendeu um erotismo óbvio, mas diferentemente de suas precedentes, como Gilka - que explorou mais os olhos, boca, mãos e língua - sentiu-se autorizada a investir em uma imagética mais aproximada das formas genitais, tornando-se, nesse sentido sim, uma pioneira. Os quarenta e três poemas de Magma revelam ocasionalmente palavras mais explícitas, como “sexo”, “esperma”, “vulva”, “ventre”, e o adjetivo “devassa”. O que predomina, no entanto, é uma imagética sugestiva, usando partes do corpo, como: “entre pernas”; “fúria de rio pelos joelhos”; “anel de fogo - nas ancas”; “labirinto-búzio-alto-das-coxas”; “minhas coxas em forma de forquilha”.
Outras imagens atravessam a obra como um todo, representando a força e significado do ímpeto erótico: a soberania da imagem da água, entremeada ao fogo e ar. A água reproduz tanto a especificidade de um elemento corpóreo central da copulação - as substâncias internas preparatórias do ato, o gozo masculino e feminino – como também é uma metáfora da mobilidade, magnitude e profundidade da experiência como um todo, além de ser associada ao feminino. Resulta desse emaranhado a figura de Eros valorizando a vida, a liberdade e a criação.
Serviço de Comunicação Social: Como foi o processo da popularização dos haicais no Brasil por Olga?
Cecília Furquim: Para Luiz Lobo, Olga contou que foi a oitava pessoa a publicar haicais no Brasil, sendo ela a primeira mulher. Recolhendo exemplos já feitos que teriam saído em livros anteriores, e incluindo mais 34 inéditos, ela lançou o seu Hai-Kais, em 1986. Além disso, empenhou-se em divulgar essa forma japonesa de poesia por aqui.
Em entrevista para o Cadernos de Tradução, em 2019, ela compartilhou o seu gosto por esta forma clássica desde pequena, influenciada por dois tios, sendo que um deles sabia japonês. Disse que começou a ler haicai em francês e inglês. Apesar de ser amante da cultura oriental, ela nunca aprendeu japonês, mesmo assim traduziu, a partir de línguas ocidentais, os três grandes mestres nipônicos do haicai. Lançou O Livro dos Hai-kais: Bashô, Buson e Issa em 1987, Sendas de Oku, de Bashô, também em 1987 e Hai-kais, de Bashô, em 1989. Proferiu inúmeras palestras sobre essa forma em diversos eventos e congressos brasileiros e no exterior.
À Revista de Humor e Cultura PAPANGU, de 2007, Olga afirmou: “Sinto-me, em muitos aspectos, mais oriental que ocidental. Aprendi com japoneses a controlar emoções, evitando excessos de tristeza e de alegria, que levam a desarmonias psicológicas. Excessos levam até a doenças, e são muitas vezes ridículos e de escassa dignidade. Sem perder a emoção, naturalmente. Ou seja, bom sempre é a harmonia, o caminho do meio. Fora os olhos puxados, que não tenho, às vezes considero-me uma japonesa — e uma holandesa, por causa de Maurício de Nassau, que deu tanto ao Brasil, enquanto outros só tiravam. Então, sou amazônida e ao mesmo tempo cidadã do mundo.”
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Cecília Furquim é mestra e doutora em Literatura Brasileira pela FFLCH. Tem experiência na área de Educação e Letras, com ênfase em literatura brasileira, ensino de línguas e tradução. Atualmente, dedica-se à pesquisa de obras de autoria feminina da primeira metade do século 20.