Busca por apoio popular fez prefeitos tornarem arrecadação do IPTU progressiva em relação ao valor do imóvel

Mudanças no Imposto Predial e Territorial Urbano em São Paulo aumentou fatia de participação dos mais ricos e diminuiu contribuição dos mais pobres

Por
Rafael Dourador
Data de Publicação

Imagem do centro de São Paulo
Imagem: Unsplash / Domínio Público

O Imposto Sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é previsto no artigo 156 da Constituição Federal de 1988. Esse tipo de cobrança existe no Brasil desde o governo de Dom João VI, no século 19.

Na capital paulista, mudanças no sistema de cobrança desde a década de 1990 favoreceram uma arrecadação progressiva, que cobra mais caro dos contribuintes com mais valor imobiliário e menos das pessoas com renda baixa. 

A tese de doutorado de Guilherme Minarelli investigou os motivos que levaram a cidade de São Paulo a obter avanços na arrecadação do IPTU. A conclusão foi de que uma espécie de “jogo de xadrez” entre governos de direita e de esquerda na prefeitura de São Paulo foi responsável pelas reformas.

Minarelli explica que, diante do risco iminente de serem superados pela oposição nas próximas eleições, os governos buscam elevar a arrecadação do IPTU e entregar políticas e ações que garantam os votos da maioria popular.

O pesquisador conta que as mudanças mais significativas, chamadas de conjunturas críticas, são normalmente promovidas por governos de esquerda, que costumam carregar mais agendas de combate às desigualdades e de caráter distributivo. “Quando entra um governo de direita, eles não têm como ir contra políticas desse tipo. Porque, num cenário de alta desigualdade, há uma maioria de pobres, ou de pessoas que estão numa situação precária, e essas pessoas pesam na balança eleitoral”.

Ele ainda completa que as conjunturas críticas costumam ser mais difíceis e politicamente custosas de serem feitas, mas são elas que têm tendência de se reforçar com o tempo. “Uma vez que se tomou a decisão para aquela direção, é muito difícil voltar atrás, ela tem um efeito catraca, de não retorno”.

 

A alíquota progressiva
Entre essas reformas, Minarelli destaca a alíquota progressiva conforme o valor do imóvel, os tipos de uso (residencial, não residencial e terreno), padrão de construção e a localização no lugar de uma mesma taxa fixa de imposto para todos, e que segue sendo independente dos rendimentos do contribuinte. A decisão ocorreu com a assinatura da Lei nº 13.250, 27 de dezembro de 2001, durante o governo de Marta Suplicy (Partido dos Trabalhadores), que modificou o cálculo da cobrança do IPTU segundo esses critérios de diferenciação dos imóveis, tornando o valor da tributação dos espaços das pessoas de mais alta renda  mais elevada em relação ao resto da cidade.

Ele aponta que condições específicas na situação política brasileira possibilitaram a mudança. Afinal, Luiza Erundina (PT) já havia implementado essa alteração durante seu governo no final dos anos de 1980, mas foi posteriormente barrada pela Justiça por ser considerada inconstitucional, segundo Minarelli. A Emenda Constitucional Nº 29, de 13 de setembro de 2000, que tinha como objetivo “assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde”, também modificou o § 1º do art. 156 da Constituição Federal, determinando que o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana poderia “ser progressivo em razão do valor do imóvel”. Dessa forma, a medida permitiu que pessoas com imóveis mais caros pudessem pagar mais imposto e passassem a representar uma fatia maior na arrecadação do IPTU, enquanto os mais pobres poderiam ter sua contribuição diminuída.

Essa reforma, que permitiu o estabelecimento de alíquota progressiva, determinou de forma mais clara o que estava previsto no § 1º do art. 145, da Constituição Federal. “Essa lei [da alíquota] permite arrecadar IPTU progressivo no nível municipal e isso tem uma importância gigantesca. Porque, depois, todos os municípios que tentaram passar esse tipo de legislação deixaram de ser barrados na justiça”, afirma Minarelli.

Para o pesquisador, outra atuação política notável foi a de Gilberto Kassab, do partido Democratas (DEM), que também contribuiu com o aumento da arrecadação progressiva, apesar do caráter conservador do seu governo. Foi a partir das atualizações de 2009 que os espaços das classes altas passaram a concentrar mais da metade da arrecadação de IPTU (50,58%). “É muito interessante porque durante o [mandato do] Kassab se criou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar irregularidades do IPTU. Nela, muitos atores foram convocados a darem suas posições. Burocratas, políticos da oposição e da situação fizeram ponderações sobre a política e a arrecadação, que depois foram acatadas pelo prefeito”, conta.

Guilherme Minarelli reconhece a melhora do sistema de arrecadação do IPTU na cidade de São Paulo, que resulta na melhoria no combate às desigualdades sociais. Contudo, ele aponta que as ações fiscais não são suficientes para melhorar as condições de habitação no município. “Temos um legado histórico de um crescimento muito precário nas periferias, que ainda continuam precárias. Melhorou bastante, mas essas pessoas ainda precisam de atendimento para viverem em melhores condições nas áreas centrais”, afirma.